Fluxo é uma palavra boa para explicar como se movimenta essa estética, em forma de corrente. O músico Kyan, da Baixada Santista, por exemplo, se inspirou nas produções de outros MCs, e junto das ondas sonoras vieram também as visuais, como o boné de aba curva do MC Neguinho da Kaxeta (de tão seu, o item ficou conhecido como boné do NK). Essa maré de influência, que chega em Kyan e em outros meninos, leva junto a Lacoste e a Oakley, marcas que estouraram com o advento do funk ostentação, vertente que cita muita marca de roupa, de moto e de carro, para celebrar as conquistas dos artistas.
Kyan explica: “é por meio da música que vem o estilo”. Teve a época dos tênis Springblade, da Adidas, aquele momento em que todo mundo estava só pensando em usar Mizuno, e, quando a vontade passou, para ter o Vapormax, da Nike, de tecnologia diferente. “Na quebrada, as pessoas se influenciam entre si. Eu olhava para os meninos mais velhos, que olhavam para o amigo do irmão mais velho, que olhava para o conhecido músico ou para o conhecido jogador. Isso é bem forte, porque eles e o funk me fizeram pensar em moda”, explica o músico.
É assim que moda e música se movimentam, na base da identificação. “Tenho essa postura agressiva, mas sou bastante tímido. Quando vejo alguém usando algo só porque eu usei, fico ‘caramba, essa pessoa se espelhou em mim!’”, diz Kyan. “Então coloco nas rimas o que nós almejamos. Se você chegar na quebrada com um Air Jordan da Dior, ninguém vai ligar; mas se chegar com um 12 molas, todo mundo vai te achar chave”, conta ele, que canta em “Mandrake”: “Nike, Lacoste e Ap Vest [o colete Oakley], elas sentem atração com os menor de Juliet”.
O funk tem a sua origem vinculada ao soul e ao R&B norte-americano, mas desde que chegou ao Brasil nos anos 1970, assumiu uma trajetória própria. A versão brasileira se transformou no gênero nacional mais escutado internacionalmente. E seu histórico no país é importante para entender a amplitude de referências, seja no som, com a inclusão da bateria eletrônica do DJ Marlboro, seja na estética dos paredões do Furacão 2000 e das letras celebrando liberdade, sexualidade e estilo próprio, como as cantadas por Tati Quebra Barraco. “Sou Feia Mas Tô Na Moda” que o diga.
Só que o ritmo hoje está cheio de F5. Existe o brega funk, com influência do Nordeste; o mandelão, que é a cara do funk paulista; o 150 BPM, queridinho dos cariocas; além do consciente, sobre superação; o trap funk e o funk rave, que são os mais recentes e adorados na quebrada. Nomes como MC Menor MR, MC Paulin da Capital são expoentes, mas vale aqui destaque para o fenômeno MC Dricka, a rainha dos fluxos e um dos maiores símbolos de representatividade para as minas atualmente. Dricka contesta, em letra e visual, códigos tradicionais de feminilidade. Funkeira, segundo ela, usa o que quiser, não apenas top e shortinho.
Tem ainda o trap, um subgênero do hip-hop, que conta com batidas eletrônicas aceleradas e o uso de auto-tune. As rimas fortes falam da vivência na rua à ostentação de grifes e são marcadas por efeitos que distorcem as vozes, em cima de batidas graves. Essas são só algumas das características de um estilo que se destaca, sobretudo, pela experimentação. O gênero ganhou popularidade na última década, mas surgiu em Atlanta, nos Estados Unidos, na virada do milênio, e,
no Brasil, explodiu depois de 2013, com nomes como Raffa Moreira, Sidoka, Matuê e o grupo Recayd Mob.
E não esqueçamos do grime, surgido na Inglaterra nos anos 2000, com estilo ainda mais puxado para a base eletrônica. O seu maior destaque é a batida por minuto acelerada, lá pela casa dos 140, o que muda a cadência da melodia e das rimas. A moda grime envolve o futebol, vinda da paixão inglesa pelo esporte. Assim como a paixão própria do Brasil pelo jogo, a música e o estilo se ampliam por aqui de um jeito só nosso. É muita camiseta de time, roupa larga e boot, mas tudo com um toque de cá. Na música, os principais expoentes são Fleezus, Febem e Thxuzz. Nas roupas, pense em sport style, com o tracksuit como uniforme e marcas como a The North Face colocadas sob holofotes.