MANU GAVASSI

Tudo em uma

Poucas pessoas viveram tantos lados diferentes da exposição que as redes sociais podem trazer. Há dez anos convivendo intensamente com elas, Manu Gavassi aprendeu a se proteger sem deixar de compartilhar as inúmeras possibilidades que existem dentro de seu trabalho – e dela mesma.

Fotos Will Vendramini 
Direção criativa Luciano Schmitz
Edição de moda Carol Roquete
Vídeo: Clava (Mauricio Kessler e Lucas Neves)
Texto Nathalia Levy

Esta é uma edição que aborda a influência das redes sociais nos últimos dez anos, e escolher Manu Gavassi para interpretar os moods que existem em todos nós (com a ajuda de vocês por uma votação em nosso site) é perceber que sua carreira seja talvez uma das maiores representações desse Show de Truman que todos nós estamos vivendo – mas que ela parece ter conseguido zerar.

Vestido, Miu Miu. Camisa, Paradise. Chapéu e trench, Minha Avó Tinha. Meias, acervo da stylist. Brincos, Glá. Botas, Bobo.

Quando a revista Capricho praticamente inventou uma espécie de pré-influenciadores com seus colírios e webséries, lá em 2010, Manu Gavassi já estava presente, aos 17 anos, cantando suas músicas românticas. Com os primeiros álbuns, ela fez parte da vida de uma geração de adolescentes com corações partidos que se identificavam com suas letras, sempre inspiradas por vivências pessoais. Ela até chegou a investir em uma era mais pop, em 2017, com shows coreografados e várias trocas de roupas, quando esse parecia ser o único caminho possível para uma jovem cantora que cresceu sob o olhar do público e queria mostrar que já não era mais tão jovem assim. Algum tempo depois, porém, o cabelo encurtou, as roupas foram ficando menos óbvias, e a presença nas redes sociais, mais interessante – ela até abriu sua própria agência, com dois amigos, para conseguir dar mais personalidade a públis que chegavam a seu Instagram.

Em 2018, nasceu no YouTube e no Instagram a websérie Garota Errada, cinco pílulas de cinco minutos cada uma, idealizadas e roteirizadas por ela mesma, interpretando as suas inseguranças e brincando com os estereótipos aos quais ela ainda era associada. Foi uma espécie de aquecimento para o que estava por vir em 2020. Em um movimento inesperado, ela aceitou o convite de entrar no Big Brother e deixou 130 vídeos (gravados em três dias) para alimentar suas redes sociais, uma estratégia nunca antes vista nas 20 edições do reality show. Até hoje, há quem se refira a isso como um dos grandes cases de marketing da era das redes sociais brasileiras. Ela diz que essas pílulas também foram um treino pessoal para uma série de televisão (ou streaming) que ela sonha em tirar do papel no momento certo.

Hoje com 27 anos, Manu dá poucas entrevistas e não abre tanto sua vida nas redes, reflexo de uma sabedoria que só alguém que passou por diferentes tipos de exposição nos últimos dez anos conseguiria ter. Aqui, porém, ela fala bastante sobre as angústias e as maravilhas de fazer parte da primeira geração que cresceu sendo observada e também observando tudo e a todos o tempo todo, por todos os lados. Uma geração que, assim como ela, está tentando viver sua multiplicidade, encontrar suas verdades e não surtar no meio do caminho.

Sua relação com as redes sociais (e ser conhecida nelas) não é recente. Você participou da websérie Vida de Garoto e era também da Galera Capricho, além de há dez anos ter começado a postar vídeos cantando no YouTube. De alguma forma, todo esse tempo online te ajudou a lidar com as redes de uma forma saudável hoje?

Eu acho que não tem o que possa ter me preparado para o que vivemos hoje porque a gente não sabia o tamanho que isso ia ter em nossas vidas. Acabei de assistir o documentário O Dilema das Redes, e ele faz você entender realmente que não é mais sobre escolha. A nossa existência foi colocada nesse aparelho (o celular), e não tem como você se blindar disso. Até existem maneiras de você deixar um pouco mais tranquilo, mas a nossa vida inteira já está muito misturada com o que significam as redes sociais. Então, realmente acho que nada desses dez anos me preparou para o momento a que a gente chegou hoje. Por outro lado, eles com certeza me prepararam para o momento que estou vivendo na minha carreira. De saber lidar um pouco melhor com a exposição, me questionar mais, entender ou aprender os meus limites. Vejo ciladas em que eu poderia estar caindo, mas não estou, e tenho certeza de que é pela experiência.

Que tipo de cilada?

Por exemplo, assim que saí do BBB, fiquei uns dias sem rede social, mas nos meses que se seguiram era natural que eu procurasse saber o que as pessoas achavam. Afinal, não participei de nada disso, participei do lado de dentro. Não sabia como tinha sido a resposta do lado de fora. Nos primeiros meses, fiquei mais ligada no que as pessoas falavam porque queria entender, e isso me fez muito mal. Me fazia olhar para um só lado, quando, na verdade, existem mais. E a esse lado nem era para eu ter acesso. Não era para eu ter acesso a todo o pensamento de qualquer ser humano a meu respeito o tempo inteiro. Então, isso me fez mal por um segundo. Mas consegui enxergar que estava olhando para o lado errado e passei a pensar em tudo o que havia acontecido com a minha vida, olhar o lado bom disso e em como eu poderia usar a exposição que me foi dada. Por que não olhar para quem se identifica comigo e me respeita? Talvez eu não tivesse essa maturidade e serenidade sem esses dez anos para me preparar e ter convivido com pessoas com mais e com menos exposição. Imagino que seria uma cilada em que eu ia cair e que talvez tivesse me deixado muito pior. Talvez eu tivesse me colocado num buraco do qual não sei se conseguiria sair tão rápido, sabe? Tive uma preparação para isso, querendo ou não.

Como era a Manu na época de Orkut? Em redes sociais pré-Facebook?

Na verdade, eu nunca tive, porque meu pai não queria. Ele sempre foi protetor, mas sensato. Isso não vinha de um lugar de superproteção gratuita, que pode fazer mal, mas de sensatez mesmo. Acho que me fez bem.

Adoro flertar e, se bobear, até o linkedin vira tinder
Top, A.rolê. Calcinha, Miu Miu. Meia, Lupo. Colar, Prada.

É o que está no fim de O Dilema nas Redes, né? Os criadores falam que não deixam os filhos usarem.

Isso é bizarro, né? Eles criaram essa ferramenta e são os mais chatos com isso, porque sabem os problemas que isso pode causar em nossa mente. Como meu pai não me deixava ter, redes sociais me despertavam certo medo. Só lembro de elas começarem a fazer parte da minha vida, de fato, quando trombaram com a minha profissão, que começou muito cedo. Vamos dizer que com 14 anos eu nem podia ter rede social. Daí com 16, eu já tinha cinco perfis de trabalho no Orkut, porque de repente as coisas aconteceram. As redes sociais pegaram na mesma época em que comecei a ter exposição por causa do trabalho, então, nunca foi uma rede social só minha. Quando o Instagram foi lançado, eu já trabalhava havia dois anos, o que significa que minha vida já era bastante exposta como adolescente. Não me lembro de ser eu na rede social antes de isso ser a minha profissão.

Então, você nunca experimentou usar uma rede social da mesma forma que uma pessoa anônima, que estava ali brincando e experimentando.

Acho que não. Eu lembro do MSN. Só que o MSN não era exatamente uma rede social, né? Era mais uma forma de contato. As pessoas me perguntam: “Ah, como é isso agora? Você pensa muito antes de postar?” Na verdade, eu nunca não pensei antes de postar. Sempre soube que existia um limite da minha privacidade, do que eu queria mostrar e do que eu não queria. Então, acho que talvez seja uma programação normal de como meu cérebro foi construído dentro do universo de redes sociais.

E nunca passa pela sua cabeça aquela vontadezinha de querer postar algo para uma pessoa específica ver?

Às vezes, você cai numa cilada de fazer esse tipo de coisa, né? (risos) “Ai, quero mandar essa indiretinha” ou “quero postar isso pra fulano”. Mas aí, quando você vê, acabou causando, porque não foi só fulano que viu. Às vezes, as pessoas pensam que estou muito mais triste do que realmente estou porque postei uma coisa misteriosa. As pessoas logo pensam: “Ah, a Manu está mal, tadinha”. E eu fico: “Ai meu deus o que eu fiz? Era apenas uma indireta para aquele menino, não tinha nada a ver”. (risos) Mas acho que sei bem o meu limite. Nunca fiz algo de que eu tenha me arrependido muito relacionado a redes sociais. Sempre soube o que eu queria guardar para mim e o que queria dividir, e acho que encontro um equilíbrio bom e ainda consigo mostrar minha personalidade. Claro que o Big Brother deu uma escancarada, mas sinto que as pessoas não esperam de mim nada além do que eu posso dar.

E como é o seu consumo de redes? Você segue muita gente? Procura referências?

Sim, procuro muita referência. Amo o Pinterest!

Você ainda ama o Pinterest, mesmo já tendo passado a febre?

Eu sou uma pessoa vintage, né? (risos) Vivo minhas próprias febres. Existem momentos em que quero me desligar do Instagram, porque a gente acaba não conseguindo controlar a informação que recebe. Eu me desligo, fico uns quatro dias sem, desinstalando o aplicativo do meu celular. E nesses momentos eu entro no Pinterest, porque gosto de ver fotos de casas, fotos de plantas.

Conte mais sobre esse hábito de desinstalar o aplicativo.

Toda semana eu faço isso, porque vejo que não é só comentário, não é só crítica, é tudo. O acesso à vida do outro, o acesso fácil à fofoca. Quando vejo, estou sabendo da vida de todo mundo só porque abri o aplicativo e está ali. E isso às vezes gera uma comparação, gera uma energia que você emana para o outro e que emanam para você. E não é por críticas como as pessoas pensam, porque isso eu já estou bem adestrada em driblar. Não sei o que falam de mim nos comentários do Hugo Gloss quando eu lanço um clipe, por exemplo. Eu não sei, não quero saber e vivo bem sem saber. Se for grave o suficiente, isso vai chegar a mim de outra maneira. Se não chegou, é porque é uma pequena parcela de pessoas que está ali fazendo um barulho que só vai fazer mal para mim, para minha alma e para o meu propósito no trabalho. Então, não vejo mais. E isso eu até ensino a minhas amigas. Esses dias, conversei com a Gi (Gizelly Bicalho, também ex-participante do BBB), e ela estava falando que isso tudo é muito novo e difícil, e eu falei “não leia comentários”. Se for importante o suficiente, vai chegar até você. Tenho uma dinâmica de acesso a coisas que são construtivas, e não destrutivas.

Mostro minhas habilidades de pintura, cerâmica, culinária, jardinagem…
Camiseta, Love 1985. Top, Dolce & Gabbana. Blazer e calça, Balmain. Capa (usada como saia), Needle & Thread, à venda na Mares. Cinto e colar, Glá. Sandálias, Gucci.

Quando você está com ele instalado, que tipo de perfil te interessa mais?

Gosto muito de perfis de moda, e não só moda como informação, tipo grandes portais, mas principalmente pequenas influenciadoras que descubro sozinha, pessoas que pensam diferente, que têm um olhar mais fresco, que não levam a moda tão a sério e sabem brincar com isso. Gosto de procurar essas figuras inusitadas, porque acho que elas têm um olhar não tão envenenado quanto o nosso, que já trabalha com isso. Também gosto muito de perfis de arte, de arquitetura, de filmes, frases de filmes. Acabo procurando muitos livros e filmes que vejo em perfis assim.

Do que você consome nas redes sociais, consegue separar o que é para você e o que é para o seu trabalho?

É uma batalha interna conseguir relaxar. Esses dias, falei para você que eu tirei “férias”, que não eram férias exatamente, mas um tempo que queria guardar só para mim, ficar na minha casa sem fazer absolutamente nada, porque para mim é muito, muito, muito difícil desligar. Quando a gente trabalha com arte e precisa de inspiração, tudo acaba virando trabalho. Eu sonho em escrever e dirigir a minha própria série, por exemplo, então, tudo vira material de pesquisa, tudo o que eu vivo, inclusive. Na minha música, sempre transformei meus sentimentos em músicas.

No programa, você também sentia essa pressão?

Por mais irônico que pareça, o momento em que estive mais exposta na minha vida foi o momento em que mais consegui desligar. Durante o programa, eu não tinha obrigação nenhuma. A única obrigação que coloquei para mim foi participar. Só. Não tinha telefone tocando para me falar que eu tinha que entregar ou fazer tal coisa. E isso também em relação à minha autoestima, minha aparência. Fiquei três meses lá sem feedback algum das pessoas. Hoje, se eu for ver, vai ter gente falando: “Nossa que menina estranha, essa touca que você está usando é feia” ou “Ela não vai crescer? Ela é só colorida, não parece uma mulher”. Várias coisas que eu recebo, que sei que são besteira, acabam ficando na cabeça. E eu vivi três meses sem isso lá. Adoro o look que usei na final, do laço no cabelo enorme e flores, porque fazia muito parte de quem eu era naquele universo. Mas será que eu teria usado esse look se tivesse acesso durante três meses ao que as pessoas estavam falando de mim? Provavelmente, não. E isso me fez pensar: “Caraca, como a gente perde a nossa liberdade com a opinião das pessoas o tempo inteiro, né?” E como é irônico que, no momento em que estava mais exposta e vulnerável, eu estava me sentindo mais livre, porque não tinha acesso a nenhuma opinião. Estava só vivendo um dia de cada vez e isso me fez pensar em quem eu sou quando não estou trabalhando também. Quem eu quero ver, com quem quero conversar, o que quero fazer, o que quero assistir? Este talvez seja o maior desafio da minha vida: saber separar. Porque gosto muito do meu trabalho e desde pequena sou associada a ele.

Se você saísse das redes sociais, o que faria com o tempo que gasta hoje nelas?

Eu sempre penso sobre que experiências teria tido na vida se não tivesse começado tão nova, e que hoje em dia eu acho que não posso ter, porque tenho que sustentar uma empresa, me sustentar e ainda ajudar as pessoas que eu amo. Se eu não tivesse começado cedo, será que teria mais tempo de experimentar coisas? Sonho em morar fora algum dia, mas penso que não posso me dar esse luxo. Minha carreira está acontecendo aqui e agora, quando eu poderia parar para morar fora? Penso nisso o tempo inteiro. Se eu não tivesse que trabalhar com isso, será que deletaria as minhas redes sociais? Ou será que não seria uma coisa tão presente na minha vida? Porque, quando eu desconecto, eu realmente desconecto, e não sinto peso nenhum de estar desconectada. Sou uma pessoa muito fácil de desapegar de tecnologia porque me faz bem ficar sem. Eu tive exatamente esse questionamento depois de terminar o documentário. Pensei: “Caraca, cinco horas por dia nisso, meu Deus, o que eu tô fazendo com a minha vida? Eu queria aprender francês, por que não tô fazendo aula de francês enquanto estou aqui, gastando cinco horas vendo a vida dos outros?” Mas existe um limite saudável para isso, que é o que a gente tem que buscar como sociedade.

Apagar as redes sociais parece até um certo luxo hoje em dia.

Talvez, há cinco anos, fosse mais fácil falar que muita gente poderia viver sem rede social e eu pensava e invejava isso. Pensava que, se eu não tivesse essa profissão, eu súper poderia não ter rede social e minha vida e minha saúde mental estariam muito mais em dia. E a saúde mental não é só por causa de críticas. É muito além delas, e isso estou conseguindo quase transcender. Estou falando de todos nós. Estamos todos no mesmo barco, com ou sem críticas, com muita exposição ou pouca exposição. Estamos vivendo reféns de um aparelho que é programado para vender e está sendo usado na nossa mente de outra maneira. Acho que é um período de evolução coletiva que estamos passando em relação às redes sociais e temos que buscar juntos uma forma de não nos prejudicarmos mais como sociedade.

Gosto de dar minha opinião sobre tudo o que aparece no feed
Body, Louis Vuitton. Calcinha, Miu Miu.

Existem coisas que você adoraria fazer por você e que ainda não conseguiu por privilegiar seu trabalho? Além do francês, claro.

Totalmente! Isso de não saber relaxar e fazer coisas por nós é muito da nossa geração. Fomos criados dessa maneira. É a geração mais problemática nesse sentido. Se assisto uma série por puro entretenimento, eu me culpo e ainda penso: “Eu poderia estar vendo algo que poderia estar me inspirando, poderia estar estudando para um papel, poderia estar fazendo isso ou aquilo”. Assisto Grey's Anatomy para relaxar, que é uma coisa que não tem nada a ver, já que dificilmente vou operar um coração na minha vida. Só que assisto em inglês para, pelo menos, pensar que estou estudando inglês. É difícil de desligar mesmo. Preciso aprender a fazer as coisas só por mim e não sentir culpa por isso.

Vemos hoje nas redes sociais que os filtros estão cada vez mais realistas e influenciando a autoestima das pessoas e a forma como elas se enxergam. Você sofre com isso?

Isso me pira muito, por pensar que eu sou um exemplo para isso. Às vezes, a gente já está maquiada e usa um filtro e aí parece que você é uma Barbie Malibu. Mas na verdade não. Você já está maquiada e botou um filtro! E foi maquiada por um maquiador profissional, foi vestida por uma stylist! Isso acaba ficando uma coisa inatingível para as pessoas. Não quero ser um exemplo disso. Não quero fazer uma menina de 14 anos se olhar e falar que queria ser como eu porque eu sou “perfeita”. E é muito fácil a gente cair nisso porque, às vezes, estou cansada, mas tenho que fazer um trabalho que precisa aparecer meu rosto e aí eu penso: “E se eu colocasse esse filtro aqui? Nem preciso parar o meu dia. Eu tô de pijama”. É uma coisa que facilita, mas, quando você vê, está passando um exemplo e a gente vai pagar um preço muito alto lá na frente como sociedade por essas jovens meninas e mulheres. Então, é uma coisa que eu me policio, sim.

Teve um dia que eu pensei: “Caraca, acho que esse meu filtro de maquiagem é um desfavor para a sociedade”. E aí tirei o filtro e me filmei. Eu já estava maquiada, mas com vários poros e uma linha de expressão aparecendo, e eu me filmei e falei: “Eu vou fazer o publi inteiro assim. Essa é a minha cara”. Quando a gente usa filtro o tempo todo, acaba esquecendo como é o nosso rosto, nossa pele. Nós, que trabalhamos com isso, somos as primeiras a ir parar no cirurgião. Então, tomo muito cuidado, pensando: “O que isso vai mudar na minha vida? Eu preciso colocar mais boca? Por que preciso disso?” Vejo modelos postando foto no feed com filtro na cara. Se elas estão precisando disso para se sentir melhor e me influenciam, mesmo eu sabendo como é esse meio, o que isso não faz na cabeça de meninas de 11 e 12 anos? Então, direto, eu penso: “Tá aparecendo uma coisa que eu me sinto um pouquinho desconfortável? Vou postar assim mesmo”. É um exercício que tenho feito não só para mim, mas para dar um exemplo mais legal.

Mas tudo o que você faz nesse sentido acaba sendo notificado e coberto, né?

Não tenho muito essa preocupação porque vão falar de qualquer maneira, se eu fizer ou não fizer. Se fizer certo ou errado. Sempre vai haver comentários. E sinto que meu uso de redes sociais diminuiu também em comparação a antes do programa, mesmo sendo uma pessoa que já não expunha tanto a vida. Agora penso ainda mais antes de postar, porque não quero uma brincadeira sendo distorcida em “aspas”, quando, na verdade, não era nada disso. Porque depois essas notícias, que não são notícias na verdade, são só aspas, vão chegar como às pessoas? Antes eu não pensava tanto porque o nível de exposição e de interesse sobre o que eu falava era um pouco menor, bem menor. (risos) Então, hoje em dia, escolho as oportunidades certas para falar. Quanto a isso de postar e ser usado, tudo bem, tudo certo. “Manu Gavassi posta foto em que aparece estria.” Que bom, eu quero esse tipo de notícia também! Eu preciso, para mim e para os outros. 

Vivo pelo meme
Colete, Miu Miu.

Qual é o papel da moda na sua vida hoje?

A moda para mim é a representação de como eu me sinto por dentro. É muito isso. Sempre que começo a questionar meu estilo, é um reflexo de uma mudança interna. Por isso sempre incentivo as pessoas a brincar com a moda e, quando eu digo brincar, é enxergá-la como uma ferramenta que está aí para te ajudar. Eu nunca me senti bonita vestida igual a todo mundo. Se me colocarem com a mesma roupa da moda, certinha, e não tiver minha personalidade, vou me sentir feia, não vou ter uma boa autoestima. Moda é você conseguir colocar sua personalidade para fora e ficar feliz. Só isso. E é uma coisa que pode até te ajudar. Por exemplo, no programa, eu sabia que ia viver períodos bem difíceis de isolamento completo, de nervosismo, então, pensei: “O que pode me dar alegria? Roupas coloridas podem me dar alegria. Se todo dia me olhar no espelho e tiver um pontinho colorido de alegria, já vou rir de mim mesma e vou seguir meu dia com uma energia diferente”. Então, usei a moda como uma terapia lá dentro. Eu não estava usando roupas coloridas todo dia fora de lá, e usei isso como ferramenta. Funcionou muito bem para mim, para a mensagem que eu queria passar às pessoas.

No momento atual, converso muito com a minha stylist sobre não virar refém da nossa própria personagem. Eu não posso virar só minhas roupas malucas, porque existe muito mais dentro de mim. São questionamentos que faço na minha carreira, internamente, e que depois vão para a maneira como eu me visto. Sempre que começo a questionar as roupas que estou usando, sei que uma mudança interna e profunda está por vir. E fico muito feliz de as minhas fases serem marcadas visualmente. Quando comecei, só usava botas de caubói e pintava as unhas de preto, porque botas me remetiam à música country, que era o que eu mais estava ouvindo, e a unha preta era para mostrar que eu não era tão country assim. A do BBB foi colorida, foi de levar alegria, leveza, de assumir que sou meio esquisita mesmo. Pinto os olhos da mesma cor do meu acessório e da minha sandália estranha. Amo ser assim e está tudo bem. A moda sempre teve muito a ver com as minhas mudanças internas, com as transformações que estou passando e por isso tenho tanto carinho por ela.

Você não acredita muito em ter um estilo, então...

Talvez eu só seja uma pessoa que não tem estilo, na verdade. (risos) Acho legal quem tem estilo, você pensa nela e sabe que é aquele estilo, mas eu não sou. Sou uma metamorfose maluca. Também gosto muito de roupa de brechó porque acho que elas contam uma história, têm a ver com a moda sustentável e com você não ser refém de comprar o tempo inteiro e poder repetir roupas, sim, quinhentas mil vezes. Talvez isso faça parte do meu estilo e da minha personalidade. Com todo o resto, eu me divirto e deixo o meu coração me levar para minha próxima fase.

Como foi receber o apelido de “rainha do marketing”?

É muito maluco, porque trabalhar com marcas é uma das coisas que eu mais tenho dificuldade e é uma das coisas pelas quais eu mais sou elogiada. Tenho dificuldade mesmo, porque, por mais que eu seja criativa, não é só o meu interesse que existe ali. Estou vendendo uma coisa por trás, então, sempre tenho que tomar muito cuidado. Não é só meu interesse, como artista, de criar uma coisa agradável, divertida, que faz as pessoas pararem para ver. É o interesse da marca que tem que fazer sentido para uma série de outras pessoas. Ao mesmo tempo que sei que eu consigo fazer, porque sempre puxo para a arte e para a narrativa, é algo que às vezes me machuca porque você é muito podado. Não é algo tranquilão para mim. É algo que eu penso, aceito, depois vejo, converso com as pessoas envolvidas e penso como isso vai chegar aos outros, se isso vai me machucar no final das contas, se a mensagem que vou passar vai ser a mensagem que eu quero. Justamente para não perder o que eu tenho de mais precioso, que é a minha criatividade e a minha habilidade de fazer as pessoas se identificarem com a mensagem, seja ela qual for.

Só gosto de fotos conceituais e misteriosas
Top e calça, Paula Raia. Chapéu, Minha Avó Tinha. Luvas, A.rolê.

Como é o trabalho na sua própria agência?

Eu estou aprendendo também como agência, trabalhando agora mais firme com o mercado publicitário. Essa visão da narrativa, de contar uma historinha, é importante porque tudo que eu faço tem uma história. Os vídeos que deixei para o BBB contavam a história da minha jornada de ter aceitado aquilo, de ser uma coisa muito louca para mim e realmente ser um retiro espiritual – e foi, tá?! Ninguém nunca vai me falar que não foi. (risos) E mais: quanto mais o tempo passa, mais eu vejo que foi mesmo. Consegui me desligar completamente e viver aquele momento! Aquilo era uma história de verdade, e isso é o que faço nas minhas músicas também. No meu clipe de Deve Ser Horrível Viver Sem Mim, contei uma história de como fazer um clipe pop, que era o questionamento que eu tinha: “Cara, preciso fazer um clipe pop para essa música pop, mas já não sou mais uma artista tão pop assim, porque se eu só dançar as pessoas não vão acreditar e vão falar: ‘Essa menina dança mal para caramba, gente, por que ela está dançando?’”. Como eu ia apresentar uma música dessa maneira, como eu faria um clipe com a minha cara? Então, em tudo o que as pessoas gostam, existe uma história bem contada por trás, com a qual você se identifica pessoalmente. É isso que tento fazer com a agência e levar para as marcas, até para fazer sentido para mim, já que trabalhar com publicidade é uma coisa que às vezes é perversa.

Você tem medo de acabar inaugurando uma certa “estética Manu Gavassi” de fazer publicidade?

Eu sinto que já está acontecendo um pouquinho. (risos) Algumas vezes, eu vejo “ah, entendi a linha de raciocínio disso aqui, isso tentou ser uma coisa verdadeira, mas falhou porque simplesmente não é”. Mas aí é que tá: quando você trabalha com criatividade, tem que saber se reinventar o tempo inteiro. Não pode ser refém do seu próprio personagem. Para sempre eu vou gravar clipes fazendo gracinha, me zoando? Não. Primeiro, porque não tenho só isso a oferecer. Segundo, porque não vou ser refém dessa personagem. Aquilo fazia muito sentido para a trajetória que eu estava traçando, o que aconteceu no Big Brother, os vídeos que deixei, a música que escrevi depois, o fato de a Glória (Groove) também ter brincado com a minha trajetória na parte dela na música. Tudo isso fez sentido naquele momento. Só que não vou ser para sempre assim. E me dá uma paz saber que não vou esgotar isso, já que tenho muito mais para mostrar. E só vou descobrir o que tenho para mostrar vivendo! Está bem que, nesse momento, as minhas publicidades e meu trabalho estejam voltados para um lado que é misturar comédia, não me levar a sério e trazer a moda de um jeito mais divertido. A partir do momento que não estiver mais sendo verdade para mim, isso vai refletir no meu trabalho, na publicidade, em tudo. E isso me dá uma calma.

Você quis ser publicitária em algum momento da sua vida?

Nunca. Meu interesse na publicidade veio de poder criar não só para mim e não só relacionado a uma música. Mas poder criar conteúdos surpreendentes e divertidos. Talvez tenha vindo da minha vontade de querer criar narrativas, de começar a estudar roteiro, de experimentar escrever meus pilotos de série. A oportunidade que eu estava tendo era na publicidade, então, pensava em como colocar o que aprendi nessa oportunidade que me deram. A publicidade foi a maneira que encontrei de aplicar vários aprendizados. E ainda bem que fiz, porque ela influenciou o meu trabalho. A publicidade me fez pensar que eu poderia colocar algumas coisas no meu clipe, por exemplo. Sou muito grata a esses parceiros, que realmente me entenderam e me deram uma chance, e por isso eu levo bastante a sério. Não aceito nada por aceitar. Não é algo apenas para surfar numa onda.

Compartilho arte, poesia e música
Camisa, MM6 Maison Margiela, à venda na Conceito Ê.

Você imagina ampliar sua agência? De pegar trabalhos que não tenham necessariamente você como protagonista?

Tenho muito essa vontade, mas confesso que nos últimos meses dei uma leve freada, porque estou em um período de entender o que quero para minha vida. Onde quero focar minha energia. Qual é o meu sonho agora? Não tem como abraçar o mundo. Gosto de me entregar, então, se pegar um trabalho para outra pessoa, vou me doar tanto quanto ou até mais do que aos meus projetos porque quero me orgulhar daquela pessoa e dar um resultado incrível a ela. Se eu estivesse focada só na agência, talvez conseguisse, mas no momento estou compondo muito, montando meu home studio, querendo aprender mais sobre produção musical. Estou com papéis, com coisas para fazer que não são criações minhas. E há as minhas criações também, pelas quais estou batalhando. Quando as coisas estiverem mais estabilizadas, depois do furacão que está sendo este ano, acho que vou conseguir levar a agência de outra maneira. No momento, fico muito feliz de assinar os meus próprios conteúdos. A agência nasceu com duas pessoas que trabalham comigo, que me conheciam muito e acreditam no que eu tenho para falar. É por isso que a gente não se deixa levar pela ambição do momento. A gente poderia estar fechando um monte de coisas, mas quer tratar a agência como uma joiazinha, que é o que ela realmente é. No momento certo, a gente vai conseguir expandir isso também para outras pessoas. Eu me imagino trabalhando com isso no futuro, mas agora estou em um período divisor de águas e preciso me focar no que quero mostrar nos próximos anos.

Na sua série Garota Errada, por exemplo?

Esse é um projeto que vem de muito tempo e é até estranho pensar de onde nasceu Garota Errada, que são essas pílulas que eu lanço. Há muito tempo, meu empresário atual me conheceu e falou que queria que o Brasil inteiro tomasse um chá comigo, porque ele achava que as pessoas não sabiam quem eu era de verdade: um ser estranho, mas legal. E quando veio a oportunidade do Big Brother, tomei a decisão de entrar por causa dessa conversa com ele. Junto a isso, vinha toda a minha vontade de escrever, e não seria interessante para as pessoas se elas não me conhecessem. O projeto do Garota Errada, que escrevo meio brincando comigo mesma, com as minhas inseguranças, começou a ganhar forma. Nos últimos anos, andei me aperfeiçoando. Escrevi episódios de 30 minutos, entendi que não sabia escrever episódios de 30 minutos, estudei para escrever episódios de 30 minutos, consegui escrever episódios de 30 minutos. Quando isso existir, e acredito e tenho muita vontade que vá, quero estar muito preparada. Estou estudando o melhor momento, a melhor proposta, a maneira em que eu me sinto mais confortável de fazer. Esse é com certeza um dos meus maiores sonhos, além da música, que é uma coisa que faz parte da minha alma, que nunca vou conseguir calar e que vou continuar a fazer crescer e, com ela, me reinventar à minha maneira. Sobre a série, eu quero que seja leve, gostosa de assistir e, ao mesmo tempo, faça refletir. Acho que o mundo está precisando um pouco disso, de você conseguir relaxar, dar risada e, depois, no final do dia, sentir que você foi instigado.

Você tem como referência essas diretoras e roteiristas da nossa geração, que são atrizes de suas próprias séries lá fora? Tipo Lena Dunham, Issa Rae, Michaela Coel?

Sim! Eu amo a Greta Gerwig, é uma grande referência. Eu acho ela incrível desde Frances Ha. Ela escreveu Little Women, que foi pro Oscar agora, Lady Bird, pela qual sou muito apaixonada. Ela é inteligente, mas despretensiosa, e não há soberba na inteligência dela. E também a Phoebe (Waller-Bridge), de Fleabag! Fleabag é uma das coisas mais geniais que eu assisti. Meu amigo roteirista Matheus viu que eu estava fazendo Garota Errada e me disse para assistir, e aí explodiu meu cérebro. A gente tem grandes referências de mulheres diretoras e roteiristas hoje que a gente não tinha tanto antes, e isso me inspira muito, alimenta minha alma, e eu quero muito continuar estudando para seguir esse caminho também.

Você costuma desistir de coisas no meio? Ou você insiste nas ideias até o fim mesmo não tendo certeza?

Estou sempre querendo me desconectar para me reconectar
Top, camisa e lenço, Gucci. Calça, Levi’s, à venda no Frou Frou. Botas e cinto, Trash Chic. Brincos, Glá.

Eu desisto de ideias no meio, mas acho que tem muito a ver com a minha intuição, que estou aprendendo a ouvir. O processo do Big Brother me fez entender muito mais como um ser intuitivo e respeitar isso. Quando você não tem acesso a nada, não tem o celular, nenhuma informação, e consegue ficar quieta com você mesma por tanto tempo, existe uma força dentro da gente que fala: “Esse é o seu caminho, querida”. Daí, se você não vai por esse caminho, essa força diz: “Você errou, querida. Eu te falei que esse era o seu caminho”. Mas, como a gente vive numa sociedade em que não se consegue ficar quieto, está sempre se entretendo, trocando informação, não conseguimos ouvir essa vozinha. Também sigo muito a intuição no meu processo criativo, agora mais do que nunca, porque intuitivamente decidi entrar num programa que eu jamais entraria na minha vida. Intuitivamente, decidi fazer 130 vídeos com desdobramentos do que acontecia lá, sem saber o que acontecia lá e sem nem saber se eu ia aguentar ficar. Então, se a minha intuição me trouxe tudo isso, por que não ouvi-la? Eu li Mulheres que Correm com Os Lobos e o livro também fala muito de intuição, que a intuição feminina é calada. Se tenho uma ideia, converso comigo mesma: “Estou fazendo isso pelos motivos certos? Isso é bom mesmo ou isso é ruim? Isso dá frutos ou é apenas uma cilada de meu ego?” Fico pensando nisso e assim não tomo nenhuma decisão por impulso. E a resposta sempre vem clara. Essa é a maior dica que eu poderia dar a nossa geração e aos criadores. Aprenda a se ouvir, aprenda a ouvir a sua intuição, porque isso dá trabalho. A gente passou uma vida inteira calando a nossa intuição. Essa é a maneira pela qual escolho os meus projetos hoje em dia. Tenho várias ideias sobre as quais eu penso: “Nossa, é isso”. Se dou uma semana para a ideia e ela some, é porque não era.

Algum exemplo?

O último clipe que lancei (Deve Ser Horrível Viver Sem Mim) não foi uma ideia que fiquei meses pensando. De jeito nenhum. Eu não sabia o que fazer, e estava completamente perdida com a minha vida. Era para eu ter lançado outras músicas e daí parei e pensei: por que tudo está dando errado? Por que essas músicas não estão fluindo? O que está acontecendo? E era porque tinha uma música pronta, com a energia certa, com a pessoa certa e eu estava olhando para o outro lado, sendo que minha intuição já havia avisado que era esse lado aqui. Era para outra pessoa dirigir esse clipe, ela acabou saindo e eu vi que teria que encarar isso sozinha. E ainda bem que encarei porque foi maravilhoso ter aprendido. Em cinco dias, a gente montou um clipe de dez minutos e, em dez dias, a gente lançou. Se você conversar com qualquer pessoa que trabalha com audiovisual, ela vai falar que não dá para fazer isso e eu estava louca. Só que a gente topou, fez e virou uma grande prova disso que eu estou falando, de seguir a intuição. Ela te leva para o caminho que você mais quer, para o caminho certo. Não estou falando que não vão existir erros, mas eles vão ser mais fáceis de digerir se você tiver seguindo o que você acredita, se ouvindo e se respeitando.

Você acha que a nossa geração tem medo demais de ser cancelada na internet?

Eu acho. E acho que tudo é sobre isso que a gente falou de ter um balanço e filtrar as redes sociais. E é cada vez mais difícil porque a gente pensa: “Será que eu quero pagar esse preço por errar? E ser confundido com essa ideia que eu abomino?” Mas eu penso que fiquei três meses no BBB sem saber o que estavam falando de mim, e fui muito mais eu. Aqui, realmente, a gente se resguarda o tempo inteiro. É uma questão que vem com a nossa geração, porque outras gerações não tiveram esse tipo de poda 24 horas por dia. E cabe a nós o autoconhecimento. A gente chegou no ápice de tecnologia, de comunicação e de tanta informação que a gente tem que voltar um pouco para o básico, senão talvez a gente nem sobreviva.

E às vezes o que parece ser um cancelamento, no fim, é só uma crítica que precisava ser feita, né?

Claro, e, ao final do dia, é sobre o que você faz com essa informação. Como você a encara e como você segue a partir de agora. A gente vive um período muito didático, e ainda bem que agora esteja impregnado em nós que é preciso pensar 20 vezes antes de fazer uma piadinha, que antes você faria, sabendo que isso faz tanta gente sofrer. Que bom que a gente vive esse período didático, mas também temos que olhar para o equilíbrio das coisas. Estamos lidando com pessoas que estão aptas a evoluir se quiserem. Há erros que precisam ser apontados, mas não podemos eliminar a possibilidade de o outro mostrar qualquer tipo de melhora e evolução, sendo que a gente está aqui, neste mundo, para isso, só para isso.

Acordo e posto e nem me arrumo #iwokeuplikethis
Top, Neriage. Cinto, Love 1985. Camiseta (usada como saia), Zara. Botas, Frou Frou.

E como você faz pra evitar um burnout?

Eu não evito, eu caio. (risos) Minha mãe é psicóloga e artista plástica, então, desde muito pequena ela me colocou na terapia. Crescendo, comecei a olhar mais para minha espiritualidade, nas maneiras de me conectar comigo mesma. Então, comecei a olhar mais para dentro nos últimos tempos. A meditação tem me ajudado a entender que estou num processo. De fato, fiquei os últimos meses tentando evitar essa estafa. Eu ficava pensando: “Tenho que ser grata a todas as pessoas que me colocaram no lugar em que estou. Hoje tenho a possibilidade de fazer o meu trabalho de uma maneira que no passado era inimaginável, então tenho que ser grata, não posso estar cansada”. Só que você pode estar cansada, pode estar grata e pode estar exausta. A gente está vivendo um momento da humanidade em que está todo mundo exausto. Entendi que está tudo certo ter crise e estar triste. Nada disso te define. Estou entendendo que não estou 100% bem com tudo que está acontecendo com o mundo, com as adaptações que ainda estou vivendo com a minha própria vida, com a responsabilidade que sinto no meu trabalho, e tudo bem me sentir assim. Isso só faz de mim humana e ainda bem que faz de mim humana. E acho que vou voltar a fazer terapia agora também.

Você se cobra para se posicionar politicamente assim como algumas personalidades das redes sociais, como youtubers com muitos seguidores, que estão se posicionando cada vez mais hoje?

Eu sempre lidei com isso de uma maneira orgânica. Nas últimas eleições, deixei muito claro que era contra o nosso atual presidente. Me ofendia como mulher, ofendia os amigos que tenho, a família que tenho e o que aprendi que é certo e errado em relação aos outros seres humanos. Não tive dúvida em me posicionar, porque não aceito isso mesmo. Ao mesmo tempo, foi tanta coisa este ano que realmente penso que, antes de tentar ajudar o mundo, eu preciso me ajudar. Se eu estiver doente, em depressão, não vou ajudar ninguém. Então, tenho olhado para dentro, tenho pensado muito antes de dividir algumas coisas. Mas é algo que nunca vou me privar de fazer. Afinal, olha o limite que a gente chegou como humanidade, o que a gente fez com o meio ambiente, nossas escolhas de presidente, não apenas no Brasil. Tudo isso é tão assustador que é obrigatório esse chacoalhão, pensar no que a gente apoia, no ser humano que somos, no que a gente acredita. Isso tem que ser mostrado e reivindicado. É um crescimento coletivo também, mas acho que é minha responsabilidade como artista me posicionar. Agora, as pessoas têm jeitos e jeitos de se posicionar. Para mim, é virar a minha carreira inteira para isso nesse momento? Acho que não. Mas é sempre me posicionando e mostrando para as pessoas no que eu acredito e o que eu abomino? Com certeza.

Você pensa muito sobre os seus privilégios como artista e como alguém que pode colocar a sua criatividade no mundo?

Esse é um dos meus questionamentos principais. Ter um pouco de culpa é ótimo, pois ela te faz mais consciente, o que é incrível e te faz evoluir. Só que ter culpa em excesso também te priva de exercer seu trabalho ou sua função de vida. Isso é o que me segura para não enlouquecer, que é um pensamento que tenho o tempo inteiro, principalmente estando exposta, sendo artista, sendo privilegiada pela cor da minha pele, pela minha condição social e por outra série de questões. Se eu me deixar tomar por essa culpa, viro improdutiva e daí o que estou fazendo para ajudar? Agora, se eu for consciente e seguir o meu propósito na vida, daí vou ter sempre o meu coração tranquilo. No momento em que fizer um clipe, vou pensar se existe representatividade nele, que é o mínimo, né? Vou pensar se estou fazendo algo que é um desfavor para a sociedade. Isso já é uma gotinha no oceano. Um pouco de culpa é maravilhoso porque te engrandece, te faz crescer, questionar, se colocar no seu lugar, ouvir o outro e aprender com isso. Mas a culpa em excesso só vai fazer você não fazer absolutamente nada. No final do dia, é isso que eu penso para respirar fundo e exercer o meu trabalho.

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Macacão, Cotton Project. Sandálias, Gucci.

Beleza: Helder Rodrigues (Capa MGT), com produtos Dior
Produção de moda: Luiz Freiberger
Produtora executiva: Mariana Araújo
Assistentes de foto: Edson Luciano e Juliana Borgui 
Assistente de beleza: Juliana Boeno
Atendimento (vídeo): Gabriel Andrade
Cenografia: Aé Cenografia