Se o físico e o digital se fundem cada dia mais em uma colisão frenética de nanoinformações, se o mundo que experimentamos através de nossas janelas – físicas e digitais – é compartimentado em tracinhos de 15 segundos, se a crise climática está entre nós e figuras estranhíssimas populam nossos governos, parabéns: você está em 2020.
Nele, a quarentena é real (ou pelo menos deveria ser), o TikTok é eterno enquanto dura e os nascidos entre 1995 e 2010 – com margem de erro para cima e para baixo – reivindicam seu espaço como a primeira geração nativa digital do mundo – os centennials, ou, como a maioria de nós os conhece, a Geração Z.
A Geração Z sucede a X e a Y (os millennials) – e há também a explicação de que seu nome nasceu da expressão em inglês zapping, que nada mais é do que zapear pelos canais da TV sem se deixar prender por nenhum deles. E a etimologia não nos deixa mentir: se a alcunha dada à Geração Z surge justamente de uma metáfora de volatilidade, não é difícil supor que falamos de uma população que foi, em sua maioria, forjada sob a pressão de múltiplos estímulos e acabou desenvolvendo uma percepção mais fragmentada, quase vacilante da realidade.
“Somos a primeira geração que não se lembra bem ao certo qual foi a primeira vez que acessou a internet”, explica a psicóloga e especializanda em terapia analítico-comportamental Clécia Alves Lima, 25 anos. “Crescer com essa constante possibilidade de atualização e acesso irrestrito a pessoas, lugares, culturas e realidades diferentes nos transformou em indivíduos muito plurais, e isso com certeza teve um grande impacto em nossos comportamentos e na forma com a qual nos relacionamos com os outros e também com o mundo”, diz ela.
E esse impacto ressoa em vários âmbitos: nas profissões multidisciplinares, na facilidade de aprender novos idiomas, no estilo fragmentado – ora influenciado pelo Instagram, ora inspirado no guarda-roupa dos nossos avós e, finalmente, nos interesses em produções culturais.
Segundo o relatório The Era of Monomass, feito pela Dazed Media a respeito das tendências comportamentais da Geração Z, esse grupo se autodetermina, acima de qualquer outra coisa, a partir de seus interesses. Quando questionados sobre como definiriam sua identidade, 66% dos Zs citaram seu estilo e 65% mencionaram a música que ouvem.
Já há muito abandonadas, as “tribos” dos anos 1990 e 2000 agora fazem ainda menos sentido. Para os Zs, o mundo se apresenta como uma infinitude de possibilidades estéticas, culturais, profissionais, identitárias – afinal, nada mais justo que cada indivíduo possa ser o curador de sua própria personalidade, colecionando interesses diversos e cultivando uma persona múltipla, mas ao mesmo tempo única.
Culpe ao Troy e à Gabriela de High School Musical, se quiser: na Geração Z, cozinhar, fazer parte do clube de ciências, dançar hip-hop e escrever fanfics longuíssimas são todos traços de personalidade viáveis para uma única pessoa. E que bom.
Dá um Shazam!
Se a Geração Z se define a partir de suas curadorias individuais de interesses e formas de autoexpressão, a música assume, nesse cenário, um papel tão essencial quanto revelador. De acordo com a Culture Next Trends Report, uma pesquisa feita recentemente pelo Spotify, 75% dos pertencentes à Geração Z afirmam que a música ajuda a mantê-los sãos. “Ela tem um papel muito importante no meu dia. Eu acordo já com os meus fones de ouvido e posso fazer as tarefas de casa de forma descontraída, relaxar antes de estudar, encontrar conforto quando estou triste ou dançar quando estou feliz. Ela funciona como um regulador para o meu equilíbrio mental”, conta a estudante Maria Clara Alves Lima, 16 anos, de Taboão da Serra (SP).
Para Maria, cuja banda favorita do momento é a Superorganism, formada por oito membros de nacionalidades diferentes, e que embalou mais de 215 mil vídeos no TikTok, “conforto, liberdade e diversidade” são as palavras que mais definem as produções musicais de sua geração. “Podemos ser compreendidos e nos expressar através de músicas vindas de diversos lugares do mundo”, afirma. E os dados não a deixam mentir: entre os brasileiros Zs ouvidos pelo Spotify, 85% disseram que os serviços de streaming de música oferecem uma porta de entrada para outras culturas, e quase metade desses jovens assume ouvir pelo menos cinco gêneros regularmente, ressaltando o fato de que explorar o que é diferente é incentivado entre eles.
Tocarei meu pop até que me entendas
Dando adeus às barreiras geográficas, às “tribos” culturais e a qualquer outro tipo de etiqueta, faz sentido que a playlist globalizada dos Gen Zs revele também uma fusão de gêneros musicais.
O pop, que já foi delimitado e pré-julgado apenas como um conjunto de batidas repetidas e um refrão contagiante, na mão da Geração Z se tornou o que nasceu para ser: multifacetado, representativo, global e, claro, popular: “O pop sempre teve grandes influências de outros estilos musicais. O que acontece na nossa geração é que, como o acesso a outras culturas é muito fácil por causa da tecnologia, essas pesquisas por ‘novas’ referências acabam sendo extremamente mais acessíveis e poderosas. Isso resulta numa grande versatilidade de elementos harmônicos, rítmicos e melódicos na construção da música moderna”, explica a cantora, compositora e produtora musical de Curitiba Vivian Kuczynski, 17 anos, que lançou seu primeiro álbum, Ictus, para o mundo com apenas 16 anos, sob o selo da Balaclava Records.
Segundo ela, “produzir música pop é sempre um novo desafio porque existe uma infinidade de caminhos que podem ser seguidos, diferentemente de outros gêneros musicais que podem ter suas estruturas ou instrumentação predefinidas”. Nesse sentido, dá para entender por que a Geração Z se identifica e se debruça com tanto afinco na produção da música pop, enxertando nela seus dilemas, referências e multiplicidades. “É natural e muito bonito o processo de ver a música crescendo e se adaptando à sua forma final e, impreterivelmente, ela acaba tornando-se única”, Vivian conta à ELLE.
Honrando o legado de divas como Madonna, Britney Spears, Gwen Stefani, Spice Girls, Rihanna, Beyoncé, Lady Gaga e tantas outras, as mulheres Gen Z que atuam no pop viralizam, sim, nas redes sociais (com direito a coreografia e tudo), mas não perdem de vista a importância e a potência de trazer para suas produções questões pulsantes, tão individuais quanto coletivas, da sua juventude multifacetada: empoderamento, sexualidade, amor, sociedade, pertencimento, identidade, saúde mental, tecnologia, classe, política e tantas, tantas outras.
“É sobre representatividade e respeito”, ressalta Vivian. “As duas coisas andam completamente interligadas e são os maiores pilares da música. Nós, artistas, somos privilegiadas por termos a oportunidade de nos expressar e de virar a voz de milhões de pessoas que se identificam com a mensagem que queremos passar. Música é arte, e arte é comunicação.”
E se você precisava de um incentivo para conhecer e valorizar o que as mulheres da Geração Z têm comunicado ao mundo por meio da música pop, não precisa mais esperar. Ela acontece aqui e agora. De todos os cantos do globo, elas têm revelado a essência instigante e vibrante do que é ser mulher e do que é ser jovem em 2020. Sem mais delongas, conheça a seguir 15 desses nomes potentes – com os quais você ainda vai certamente se emocionar ou dançar no TikTok (ou os dois):