Schiaparelli | Foto: Divulgação

TREND REPORT

DE DENTRO
PRA FORA

Como a presença de lingeries nas passarelas internacionais fortalece um mercado que vem quebrando padrões de gênero e de corpo.

Por Giuliana Mesquita


Daqui a uns dez ou 20 anos, quando pensarmos sobre 2020 e 2021, com certeza vamos lembrar da vida por dentro. No caso, dentro das nossas casas e de nós mesmos. A pandemia trancou muita gente nos próprios lares e nas próprias cabeças. Cortou relações, cancelou o convívio social, fez do toque um risco. Mudou por completo a maneira de ver o mundo, nos relacionar e nos enxergar.

Do mesmo jeito que demos preferências a peças confortáveis, material ou metaforicamente, também passamos a repensar as roupas em contato direto com a nossa pele. Sem sair de casa ou ver ninguém, muitas vezes passamos horas e dias apenas com elas. Além disso, os meses de isolamento nos colocaram cara a cara com o espelho e provocaram várias outras maneiras de entender e explorar a autoimagem – seja com muita, pouca ou nenhuma roupa.


Ludovic de Saint Sernin | Foto: Divulgação
Ludovic de Saint Sernin | Foto: Divulgação

Não é difícil, então, entender como o mercado de underwear ganhou força na última temporada. Lingeries na passarela não são uma novidade, nós sabemos. Há décadas a moda explora o universo do boudoir. Começou como forma de subversão, liberação sexual e reflexo de novos comportamentos sociais. Hoje é bastante comum e nada chocante. Contudo, uma série de fatores – a vontade de mostrar o que está por dentro, o retorno de um desejo aflorado por se sentir sexy e até o sexo mais escasso – deu uma guinada extra para que muita marca de luxo colocasse lingeries bem evidentes em seus desfiles.

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Em um dos exemplos mais interessantes dos últimos tempos, temos a estilista Nensi Dojaka. Sua marca homônima, lançada em 2017, enquanto ela ainda estudava na London College of Fashion, desenvolve peças baseadas em lingeries e suas estruturas internas. Em 2019, após concluir uma pós-graduação na Central Saint Martins, Dojaka estreou na semana de moda de Londres. A coleção foi um estouro, cheia de transparências, detalhes e assimetrias que lembram roupas de baixo e exalam sensualidade, com referências a Helmut Lang e Ann Demeulemeester e um bem-vindo toque de força e feminilidade. A estilista criou ali uma imagem única e em perfeita sintonia com os desejos (íntimos e nem tanto) do momento.

Nas coleções de inverno 2021, corsets, bustiês, cintas-liga, hot pants e bodies apareceram em looks sofisticados, combinados a casacos, calças de cintura alta, doudounes, saias lápis e peças de alfaiataria. A obsessão por se sentir bem entre quatro paredes ganhou vida própria e saiu (ou vai sair) pela porta de casa.

A Miu Miu, por exemplo, pegou a tendência e a levou para o extremo: a neve. Em seu último desfile, gravado nas montanhas de Cortina d’Ampezzo, na região do Vêneto, Itália, Miuccia Prada combina sutiãs de crochê e camisolas com roupas de inverno, em uma mistura no estilo “coloquei uma peça em cima da outra para sair de casa correndo e ir ao mercado”.


Chanel | Foto: Divulgação

Miu Miu | Foto: Divulgação

Dion Lee | Foto: Divulgação

Dion Lee | Foto: Divulgação

Tom Ford | Foto: Divulgação

Miu Miu | Foto: Divulgação

Ludovic De Saint Sernin | Foto: Divulgação

Schiaparelli | Foto: Daniel Roseberry

Dolce & Gabbana | Foto: Divulgação

Christoper John Rogers | Foto: Emmanuel Monsalve

Fendi | Foto: Divulgação

Givenchy | Foto: Divulgação


Na Chanel, tops e sutiãs aparecem por baixo de blusas transparentes, e hot pants e bodies são usados com maxicasacos. Dion Lee, por sua vez, preferiu sobrepor várias peças com cara de underwear num mesmo look. Já na Schiaparelli o surrealismo invade a categoria com sutiãs dourados e feitos de couro preto em forma de seios. E, em alguns looks da Givenchy, os mamilos ficam expostos em tops recortados. Será que ficamos tanto tempo dentro de casa a ponto de querer nos mostrar cada vez mais?


DESAFIANDO PADRÕES

Se me permitem um momento de confissão: comprar lingerie, para mim, é quase como uma terapia. Escolher a renda mais bonita, a modelagem que funciona melhor para o meu corpo e para as peças de roupa com as quais vou combiná-las – sim, roupa de baixo também serve para sair (e ir para a boate, quando ainda podia). Essa obsessão não diminuiu durante a quarentena. Na verdade, ouso dizer que até aumentou.

Nos últimos tempos, surgiram várias marcas que subvertem a lógica do mercado ao criar peças para corpos dissidentes, fora do padrão e da cisgeneridade. Um dos primeiros movimentos a despontar na indústria foi a inclusão de tamanhos maiores na grade de coleções mais sensuais ou conceituais. Por muito tempo, os modelos com rendas, tules, transparências e detalhes interessantes foram reservados apenas para uma grade de P a G – mas hoje isso está mudando. Aquela ideia antiga de representar o underwear apenas em corpos magros não tem mais cabimento.

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Marcas como a GG Rie e a Bambina Beachwear são especializadas em lingeries maiores que o tamanho 50. E são peças sexy, que abrangem um mercado muito maior de mulheres. Há outras que, inconformadas com grades comuns, geralmente até o tamanho 42, decidiram se desprender das modelagens usuais e criaram uma numeração própria. É o caso da Leninha Roupa de Baixo e da Flormin, etiqueta de Tamires Pizzetti, criada em 2019 e especializada em itens confortáveis e sensuais.

“Sempre quis mostrar um pouco mais do corpo da mulher real”, diz Tamires. “Como somos uma marca muito pequena, ainda não consegui expandir tanto minha grade, mas sempre procuro pegar meninas ‘normais’ para as fotos, mulheres como a gente.” Segundo a estilista, a identificação de suas clientes é maior quando veem pessoas com medidas e corpos mais próximos aos seus, e não só modelos magros.


Flormin | Foto: Luana Patricio
Flormin | Foto: Luana Patricio

Assim que a era Victoria’s Secret chegou ao fim, junto às fotos super-retocadas e os manequins minúsculos, corpos com estrias, celulite, gorduras e tamanhos maiores têm sido usados com mais frequência na divulgação de marcas de underwear. É só pensar na Savage Fenty, de Rihanna. Nos pivôs dos desfiles da label, apontada por muitos como a grande revolução na indústria de underwear, sobram carisma, atitude, diversidade e representatividade. Homens e mulheres, de vários tamanhos, raças, cores e aparências, dividem a passarela em um show de autoestima e sensualidade, rompendo por completo com o status quo do setor.

Mas ainda há um longo caminho a ser trilhado. Até em marcas como a Savage Fenty existe uma separação muito clara entre lingeries feminina e masculina, o que acaba excluindo pessoas trans, queers e não binárias. A divisão entre roupa de homem e de mulher ainda é bastante presente na moda como um todo, mas na seara das peças íntimas é ainda mais latente. A binariedade vai das prateleiras e araras de lojas físicas até os e-commerces, que ainda colocam calcinhas na seção delas e cuecas na deles.


Cacete Company | Foto: Paulo Raic/Sergio Rezende
Cacete Company | Foto: Paulo Raic/Sergio Rezende

“A gente foi percebendo como o público estava entendendo esse rolê e começamos a adaptar algumas de nossas peças”, conta Raphael Ribeiro, um dos estilistas da Cacete Company. “Quando pensamos no fio-dental, por exemplo, já o fazíamos sem bojo, mas decidimos pensar em uma peça híbrida, com sustentação e com a bunda à mostra. E acabou dando muito certo. Muitas mulheres trans compraram e tivemos relatos de algumas nos agradecendo por ter feito uma peça que as deixa femininas e confortáveis.”

A partir desses comentários, a marca percebeu que aquela era uma peça para pessoas com pênis no geral, porém não eram exatamente uma cueca. Logo, não fazia mais sentido chamá-la assim. “A maioria das pessoas ainda está presa na ideia de que o genital define o gênero.” Hoje, a Cacete Company não usa mais nomenclaturas binárias e veste até o tamanho 50.

O mercado de lingeries não binárias ainda é bastante limitado em solo nacional. Fora do país, um número maior de marcas focadas em pessoas trans e queer já existe há algum tempo. Um bom exemplo é a Origami Customs, que cria peças como gaffs (para pessoas que desejam esconder o pênis) e binders (faixas para disfarçar peitos), do XXS ao 5XL.

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No Brasil, temos Transgender Wear, mas o mais comum são marcas como a Led e o Bispo dos Anjos, que criam lingeries unissex, que podem ser usadas por todo mundo. Contudo, é importante ressaltar que não há regras quando falamos desse grupo, já que a não-binariedade é um leque de gênero que engloba um espectro bastante amplo.

A quebra de paradigmas passa também pela subversão de peças antes feitas exclusivamente para homens ou mulheres. É o caso das lingeries masculinas feitas pela marca australiana Johnnie’s Closets, focada em bodies, calcinhas e sutiãs de renda e tule feitos para eles. Outro exemplo, este nacional, é a recém-lançada Mastangelox, do fotógrafo Alef Ghosn. “O leg harness foi uma coisa que eu sempre gostei de usar. Ele junta um acessório que aparentemente era visto como masculino (que é a cueca) com as ligas que envolvem o corpo (o harness)”, diz ele, sobre uma das peças de underwear da etiqueta. “Roupa não é para ter gênero. É para ser confortável. É para gente usar porque gosta, porque quer, porque pode. Essa coisa de entrar nas lojas e ter a sessão masculino e feminino é uma parada ultrapassada.”

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Enquanto existir uma divisão absoluta na moda e, principalmente, no underwear, o mercado continuará excluindo grande parte da população. Para começarmos a evoluir a pauta de diversidade na indústria, é essencial que todas as pessoas sejam consideradas, principalmente aquelas que sempre foram deixadas de lado por um sistema focado em pessoas brancas, magras e cis.



Sutiã Magnolia R$ 70
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Body Jardin R$ 179
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Hot_Pants_Cacete R$ 107
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YAS Gigi Oh Studio R$ 94,25
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Binder Origami Customs $ 45
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Body Fendi R$ 5.621
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Body Gucci R$ 5.070
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Body Gucci R$ 5.070
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Body Karl Lagerfeld R$ 1.378
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Body La Perla R$ 3.296
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Body Maison Close R$ 1.883
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Body Saint Laurent R$ 16.680
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Body Saint Laurent R$ 19.266
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Body Stella McCartney R$ 3.032
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Body Stella McCartney R$ 3.032
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Body Versace R$ 5810
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Bralet Janiero R$ 229
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Bralet Janiero R$ 198
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Calcinha Bambina Beachwear R$ 59
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Calcinha Marcella GG.rie R$ 40
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Calcinha Kiki de Montparnasse R$ 4669
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Calcinha Spanx R$ 1044
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Calcinha TomboyX $ 20
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Calcinha Transgender Wear R$ 49,90
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Cinta Liga Hope R$ 95
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Cueca Something Wicked R$ 1374
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Hot Pants A La GarÇonne R$ 179
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Sutiã Hope R$ 179
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YAS - Maria Oh Studio R$ 104
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Top Treat You R$ 86,80
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Top Ava Intimates R$ 198
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Kit Calcinhas Ava Intimates R$ 148
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Top Loungerie R$ 109,90
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Sutiã Loungerie R$ 54,90
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Calcinha Promelingerie R$ 89
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Bermuda Promelingerie R$ 129
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