Texto, fotos e ilustrações: Zoé Passos
Com concentração, a solução foi buscar entretenimento na trivialidade, sua capacidade de abstração me cooptou. Como esse erotismo constante que agora predomina em todos os gestos. A falta de novidade já é o triunfo da repetição, então, agora a repetição deve ser a grande novidade. Mas a vida ainda puxa e minha cabeça responde a todos esses sinais estúpidos, que não conseguimos bloquear. São meus sonhos de dia, mas na verdade muito noturnos. São as humilhações inesquecíveis e também uma curiosidade medrosa do futuro. As tentações se transvestem de novas aparências, mas a repetição mais uma vez vence e nos reconhecemos de novo em nós mesmos. Com aquela frustração narcísica, mas com o conforto de estar em casa.
Presos em nossas fisionomias e agora sem escolha, sempre ficamos em casa. Excesso de tempo, de raiva e um excesso de mim indigesto. Mesmo ouvindo que o excesso nunca faz bem, eu me forcei a acreditar no contrário, já que sempre me senti sem alternativa. Já que sempre fui excessiva e me culpei por afastar de mim quem não quis ficar. E nada tem a ver com responsabilidade. Tem a ver com o que conseguimos ser e no tempo que batalhamos para entender. Mas para recusar o ódio preciso também lutar contra o amor, colocados sempre como antagonistas. Venho notando que os sentimentos profundos vão se tornando cada vez mais dialéticos, e neles eu busco minha força e encontro minha fragilidade.
Se eu quisesse esquecer meus inimigos, meus ex-namorados, o fato de que meus pais irão morrer e minhas fraquezas omitidas, nada disso seria possível porque todas essas imagens me visitam no sono. Sonos agitados e vívidos – quem os tem carrega como um fardo essa condenação ao encontro do indesejado. Quem não tem não sabe o que está perdendo e por isso não sente falta. Pensar que o colchão foi feito para o sono, e que o sono não é uma coisa só, é aceitar que o colchão também foi feito para suportar o mistério que é a mente humana enquanto dorme. Menos misteriosa para os neurologistas, mas igualmente fascinante para todos. Mais um objeto que tem que nos suportar.
Decidi que vou me sofisticar, várias vezes essa solução apareceu. Estrategicamente como um drible, a sofisticação vai poder me salvar. Quero ser salva de pensamentos assassinos, impulsos violentos e quero ser uma pessoa sofisticada para que, quando me criticarem, pelo menos digam que me sofistiquei. É uma mentira que serve para disfarçar meu jeito rude de me expor, mesmo que a maturidade esteja me ensinando a dosá-lo. Só não sei quando serei uma pessoa feita e não sei se saberei me fazer sozinha. Ou se alguém assim de fato existe. Até porque odeio pessoas sofisticadas, ou qualquer um que me lembre dos meus limites, porque consigo ser muito ignorante quando quero e, mais doloroso ainda, quando não quero.
Andei conhecendo um lado cético meu, um lado duro, impenetrável. Uma frieza inédita que nunca antes foi necessária. Uma atitude que me aproxima de uma larva. Um animal segmentado despretensiosamente atravessando um gramado sem fim. A ambição de chegar até o outro lado é instintiva. Ao me aproximar desse ser inusitado, me sinto na verdade totalmente mecânica. Adentrei numa encruzilhada existencial em que ao ser tão selvagem me tornei muito fria. A lucidez veio como uma droga e a rebordose dessa droga é forte, molhada e salgada, principalmente quando a noite chega e as lágrimas desesperadas derramam.
Essa atitude perante o mundo é conjuntural, é o que me permite aceitar a realidade sem resignação, enquanto luto contra o tédio tenebroso da impotência e a constatação de que a natureza não é acolhedora. Essa grama infinita desse lugar desconhecido não é interessante, é monótona, é pobre de fauna e flora. É muito, muito hostil. Abdicar da minha sensibilidade foi a inversão necessária para me sentir mais útil dentro da realidade cruel em que todos estamos presos.
A mente responde em curto-circuito. As telas brilhantes, excessivas, demandam da gente uma personalidade forjada e descontrolada. Fazemos uma escolha ao nos assumirmos de uma maneira fragmentada em nossas redes sociais. É impossível mostrar tudo que tem dentro de nós e, além disso, me parece perigoso. Mesmo que forjemos digitalmente a nossa naturalidade em um ambiente virtual, a consequência é sermos arrastados novamente à nossa natureza inicial.
Zoé Passos, 21 anos, é artista plástica, ilustradora e fotógrafa.