A braba

Ela ganhou o YouTube com dicas de beleza, quebrou o TikTok com alguns dos vídeos mais divertidos da quarentena e conquistou o Brasil no BBB21. E isso é só o começo para Camilla de Lucas.

Por Ísis Vergílio
Fotos: Pedro Pinho
Edição de moda: Suyane Ynaya e Lucas Boccalão

Foram 100 dias, algumas tretas, muitos pratos de rabada e pelo menos duas aulas poderosas sobre cabelos e identidade negra – uma teórica, para o cantor Rodolffo, e outra prática, com direito a corte de tranças ao vivo. Camilla de Lucas, 26 anos, não ganhou o prêmio de 1,5 milhão do Big Brother Brasil 2021, mas pode se orgulhar de ter tratado com sensibilidade e clareza de questões fundamentais em um dos programas de maior audiência da TV nacional. E merece, de longe, a coroa de sensatez da edição. “Dentro da casa, acontece muito telefone sem fio e, se você não for uma pessoa com uma cabeça firme no que acredita, acaba sendo facilmente influenciado”, conta a vice-campeã do BBB21.

Nascida em Nova Iguaçu (RJ), município da Baixada Fluminense, Camilla é sucesso absoluto nas redes sociais. Só no Instagram ela acumulava 10,6 milhões de seguidores até o fechamento desta edição – 7,7 milhões deles conquistados após a entrada na casa mais vigiada do Brasil.

Camilla estourou no YouTube em 2017, com dicas de cuidados com o cabelo crespo e outros truques de beleza e estilo. No final daquele ano, com a repercussão dos vídeos e as oportunidades que surgiram com eles, acabou deixando o emprego em um escritório imobiliário e os planos de se formar na faculdade de contabilidade para se dedicar exclusivamente à carreira na internet. Mas o boom mesmo foi durante a pandemia, quando a “blogueyra real e digital desinfluencer”, como se intitula em sua bio no Twitter, começou a explorar a plataforma TikTok. A série de vídeos “saindo de fininho” e o já clássico “todo pagode tem” fizeram o número de seguidores de Camilla crescer aos milhares, e a fluminense conquistou o coração de personalidades como Regina Casé, Taís Araujo, Péricles e Giovanna Ewbank, entre outros.

Mas a história de Camilla não começa no BBB e tampouco na internet. Em entrevista à ELLE por videoconferência, ela fez um relato emocionante sobre sua infância e adolescência. Falou sobre a paixão por moda e beleza, sobre cancelamento, transição capilar e deu detalhes da sua passagem emblemática pelo Big Brother Brasil. Às vésperas de posar para o ensaio desta edição (“Nossa, eu tô muito feliz! Lá dentro da casa eu comentei que tinha o sonho de ser modelo”), Camilla bateu um papo sincero, divertido, afetuoso e cheio de babados. Confira. 

Jaqueta, Balmain, R$ 17.300. Brinco, Nádia Gimenes, R$ 417 (o par).

Sua bio no Twitter é: “Blogueyra real e digital desinfluencer, criadora de conteúdo”. Explica pra gente?

O “blogueyra real” é porque eu posto e sempre postei tudo da minha vida de forma clara. Nunca foi uma coisa maquiada. O que algumas pessoas na internet tentam esconder do dia a dia, ou que elas acham que pode ser ruim, eu sempre mostrei. Às vezes, estou em casa, com o cabelo todo pro alto, sem maquiagem e de pijama, e eu mostro, não tenho vergonha. Eu acredito que isso aproxima a minha realidade com a de quem me assiste.

"A minha escolha é deixar o cabelo natural. Mas também quero escolher em determinado dia usar o cabelo liso, porque eu gosto, isso não tem nada a ver com a minha identidade como mulher negra."

Assistindo aos seus vídeos no YouTube encontrei esse “Como fiquei bonita? Zoação na escola”. Você dedica o vídeo aos “haters” da época, incluindo professores. Você poderia nos contar um pouco sobre sua infância?

Eu sou de Nova Iguaçu, nasci em Nova Iguaçu e continuo em Nova Iguaçu. Sempre fui uma criança muito feliz, sabe? Sempre brinquei na rua com a galera. Fui uma criança muito comunicativa, falante. No ensino fundamental, foi muito tranquilo. A minha personalidade começou a mudar, de fato, quando fui pro ensino médio. A escola em que eu estudava ia até a antiga oitava série, que hoje é o nono ano. Completando o ciclo, precisei mudar de escola. Cheguei a uma escola onde eu não conhecia ninguém e ali eu me vi sofrendo bullying. Nessa época, a galera começou a falar mais, né? O que era chamado de “piada” ou “zoeira” acabou ganhando um termo, que foi o bullying. Então, tive dificuldade nessa época. Eu estava entrando numa escola e tinha aquele desespero de fazer amizade. Eles não me conheciam e, como já estudavam juntos havia anos, pois aquela escola começava desde a primeira série, a galera não tinha o desespero de conhecer pessoas novas. Como não me receberam muito bem, comecei a mudar. Aquela Camilla do ensino fundamental, que tinha vários amigos e sabia entrar nos espaços, se perdeu. Pra ser sincera, nessa escola, eu só tinha três amigos, que eram pessoas da minha sala que também eram zoadas. Depois que eu saí, tive que me reorganizar, tive uma nova meta: vou sair da escola, vou entrar num ambiente de trabalho. Eu preciso deixar isso pra trás. Então, eu acabei me reconectando sozinha, que é um processo muito difícil, sabe? Eu converso muito nas minhas redes sociais e sempre falo pra galera conversar com os pais. Tem muito adolescente que me segue, e eu falo: “Se vocês estiverem passando por algum problema na escola, é importante conversar”. É importante que os pais observem e perguntem como seus filhos estão indo na escola. Meus pais sempre conversavam comigo sobre meus estudos, mas, sobre essa questão, de como era a minha relação com a galera, eles não conversavam muito por acreditarem que estava tudo muito bom, tudo muito bem, por causa do meu histórico. Eu sempre falo sobre isso na internet porque é um assunto importante e os adolescentes se calam. Minha trajetória é esta: no ensino fundamental, eu era uma criança bem comunicativa, muito feliz. No ensino médio, fui um pouco mais acuada e agora já me soltei de novo. (risos) 

No mesmo vídeo você diz: “Na época, eu jamais poderia aparecer com meu cabelo como está, senão seria zoada”. No BBB, você se mostrou feliz com a aceitação do público e novamente citou que foi muito excluída na adolescência. Como era sua relação com isso?

A minha alegria por permanecer na casa, ela vem com esse medo da aprovação. Ali, a gente vive num ambiente de julgamento o tempo inteiro. Cada um tem que questionar o outro o tempo inteiro. Fora da casa, o julgamento é muito maior. Então, a volta de um paredão traz a sensação pra gente de um conforto momentâneo, né? Eu ainda não assisti a esse meu vídeo (da volta do paredão). Às vezes, me sinto um pouco envergonhada de ter que ver alguns vídeos do BBB, mas ele me trouxe uma alegria muito grande. Com toda a sensação de rejeição que eu já tive, eu pensei ali: “Caramba, se eu tô na casa ainda é porque alguém, em algum momento, gostou de mim, sabe? Alguém acreditou em mim e quis que eu ficasse aqui dentro”. Então, isso foi na contramão de tudo que já passei. 

E quando o assunto é autoestima?

Eu me tornei uma pessoa mais confiante. Antigamente, eu tinha muita vergonha do meu cabelo, porque era muito julgado. As pessoas zoavam muito cabelo crespo. Hoje, eu estou passando pela transição capilar, estou tirando a química do meu cabelo. Eu usava relaxamento, que é uma química para controlar o volume. O que eu acho engraçado é que eu sempre gostei de cabelo muito cheio. Então, comecei a me questionar: “Tem uma incoerência aí: eu gosto de cabelo cheio, gosto de volume no topo da cabeça, mas tô usando uma química que está abaixando o volume”. Na internet, eu converso com as pessoas que me seguem, eu luto pela liberdade capilar, pela liberdade da mulher usar o cabelo que ela quiser, quando ela quiser. Eu quero que o meu cabelo volte a ficar natural sem química porque, de fato, danifica o cabelo. Então, a minha escolha é deixar o cabelo natural. Mas também quero escolher em determinado dia usar o cabelo liso, porque eu gosto, isso não tem nada a ver com a minha identidade como mulher negra. Essa é uma conversa que eu percebo que as pessoas têm dificuldade de entender. Acham que, porque a mulher é negra, ela não pode usar o cabelo liso ou o cabelo ondulado, que tem sempre ser o black ou a trança. Ela pode usar o que quiser. Hoje eu estou com uma peruca lisa, mas à tarde já quero mudar. A lace permite me ver diferente. Eu tô doida pra passar por essa transição logo. Ela é demorada. Tem gente que fica durante dois anos nesse processo e as pessoas acham que é do dia pra noite. E, enquanto eu passo por ela, vou usando as perucas. Lá fora é um método bastante conhecido. As mulheres usam abertamente, e falam mesmo que é peruca. Num dia, elas estão com cabelo liso, depois estão com um black, cacheado preto. É supercomum! Aqui, eu sei que as pessoas vão entender mais daqui pra frente essa questão da mulher negra poder usar o que ela quiser. Não é só por ser negra que ela tem que usar o cabelo crespo – até porque tem mulheres negras com cabelo liso. As pessoas acreditam que é uma característica só de pessoa branca. Não, mulheres negras e homens negros também têm o cabelo liso, ondulado e crespo.

Como é a relação com seu corpo?

Eu sempre fui muito magrinha e isso também já foi motivo de zoação, então, acabei desenvolvendo um complexo com o meu corpo. Na minha adolescência, as mulheres já tinham bumbum, tinham peito e, por ser muito magra, as pessoas me zoavam: “Nossa, como assim, você é só pele e osso”. Isso me incomodava demais. Obviamente, a gente sabe que existe a gordofobia, que é muito mais grave. Mas quando comecei a frequentar a academia foi por esse complexo, pra tentar me enquadrar em um perfil que não era o meu. Eu queria ganhar peso para ser aceita. Hoje, não mais. Quero fazer academia por saúde. Minha genética é assim, bem magrinha mesmo. Essa neura de ter que engordar para ser aceita eu já tirei da minha cabeça.

Você se recorda qual foi o gatilho para começar a produzir conteúdo na internet? 

No Instagram, as pessoas comentavam muito, querendo que eu ensinasse como finalizar o penteado e outras dicas. Aí, em um feriado, não estava fazendo nada, falei: “Vou gravar um vídeo!” Como na época não tinha o recurso do IGTV, eram vídeos de no máximo um minuto, eu resolvi criar um canal no YouTube e postar um vídeo falando pra galera sobre esse assunto. Toda vez que alguém me perguntasse no Instagram, eu mandaria o link do vídeo. Assim, não precisaria ficar explicando sempre. Se não me engano, foi no dia 21 de abril de 2017 que publiquei o primeiro vídeo. E logo o primeiro já bombou. Acho que, em um dia, mil pessoas se inscreveram no meu canal. Eu falei: “Gente, quem é essa galera toda? Eu não tenho nem mil amigos. Quem é esse povo todo aqui?” Então, comecei a postar vídeos no YouTube falando sobre o meu cabelo crespo, sobre cuidados, maquiagem. Em sete meses, mais de 100 mil pessoas se inscreveram no canal. Acho que, em um ano, eu bati 1 milhão, talvez em um ano e pouco. E a minha virada de chave veio em 2020, quando entrei no TikTok. No Instagram, as pessoas estavam muito acostumadas com fotos e, no YouTube, com vídeos mais longos. O TikTok permite que você produza vídeos de até um minuto e acho que prende mais do que vídeos de dez minutos. Eu fazia o vídeo chamado “saindo de fininho” e o “todo pagode tem” e eles acabaram bombando. Lá pelo mês de abril (de 2020), comecei a postar e vi que várias pessoas superconhecidas começaram a curtir e compartilhar, e isso me ajudou bastante. Eu já estava com muitas curtidas nas minhas redes sociais, mas, quando essas pessoas superconhecidas começaram a compartilhar meu trabalho, ele começou a ser ampliado. 

Quando você entendeu que era possível ganhar dinheiro dentro daquele espaço? 

Comecei a perceber lá no final de 2017 mesmo. Eu ainda trabalhava no escritório imobiliário e, na época, uma marca de cabelo me chamou pra trabalhar, com um contrato de um ano. Já não estava conseguindo mais conciliar faculdade, trabalho na internet e trabalho na imobiliária e foi uma proposta que, de fato, compensava. Foi quando decidi sair do meu trabalho e seguir com a internet.

"Eu acho que nada é motivo de cancelamento. Eu acho que é motivo de conversa. Se alguém errou, fale. Seja respeitoso. Não gosta? Não segue e bloqueia, simples."

Abril é um mês bastante presente na sua vida, hein? (risos) 

Isso! Nunca percebi. Verdade! Vou começar a reparar em algumas coisas que aconteceram em abril na minha vida e já tô doida pra chegar abril de 2022 para ver o que vai acontecer. (risos)  

O conteúdo que você produz é bem eclético. Passa por beleza, moda, lifestyle, entretenimento. De onde surgiu o interesse por moda?

Sempre fui uma pessoa antenada. E, cara, eu sempre fui muito muito fã da Naomi Campbell. Eu via os ensaios que ela fazia, acompanhava tudo! Fazia pastas no meu PC pra registrar tudo que ela usava. Eu tinha uns 13 ou 14 anos, na época. Não tinha acesso e autonomia para ir lá e gastar dinheiro com roupa, dependia dos meus pais. Mas sempre fui muito ligada e queria saber de tudo. A revista em que ela saía, tudo! Tinha outra modelo que apresentava o American Next Top Model, a Tyra Banks. Eu salvava as fotos dela no meu PC porque eu amava os ensaios dela. Eu sempre gostei de acompanhar e de falar sobre moda. Não tinha nem Instagram na época, e eu acompanhava por aqueles sites de paparazzi ou sites do exterior de premiações, que a mostravam no tapete vermelho. Via também ensaios fotográficos. Sabe essas fotos que mostram bem de pertinho o rosto, com detalhes da maquiagem? Eu via o olho dela, tudo muito bonitinho, os looks todos, e guardava na minha pastinha. Então, minha paixão veio daí: de acompanhar a Naomi e a Tyra.

São quatro anos dentro das redes sociais produzindo em muitas plataformas diferentes. Seu engajamento cresceu absurdamente em um espaço de tempo relativamente curto. Como você lida com isso?

Na internet, eu fui me acostumando. Foi bem tranquilo. Sempre acompanhei meu crescimento, anotava tudo lá, no comecinho. O crescimento vem de um estudo: trabalhando com internet, a gente precisa estar conectado pra entender o que está em alta, qual linguagem usar, os novos memes, sabe? Se você fica parado, não se atualiza, não vê o que a galera está querendo, como está se comunicando, você não cresce. O meu crescimento, na verdade, foi de boa. Eu tenho a minha vida na internet e a minha vida fora da internet. Na internet, quando um vídeo dá mais like do que outro, a única coisa que acontece é que fico muito feliz com o engajamento. O que eu percebia de diferente era fora da internet: quando os meus vídeos tinham 20 mil visualizações, as pessoas talvez não me reconhecessem, mas quando um vídeo dava 1 milhão de visualizações, as pessoas já me paravam na rua. O que eu tive que organizar foi a questão de agenda porque os meus trabalhos, graças a Deus, começaram a crescer.

E agora, pós-BBB? Como você absorveu essa superexposição?

Lá dentro, a gente não tem noção nenhuma de como que está aqui fora. O que as pessoas mais comentavam lá dentro era: “Ai, quantos seguidores eu vou ter quando sair? Será que vou ganhar seguidores?” Quando eu saí… Gente, eu ainda não consigo entender a proporção que foi o programa deste ano. Fiquei extremamente feliz pelos números que eu alcancei nas redes sociais. Não esperava mesmo: 10 milhões de seguidores. O meu objetivo, entrando no BBB, era que as pessoas me conhecessem de verdade. As pessoas me conheciam só pela internet e elas só conheciam um lado meu. Quando faço meus vídeos, óbvio que tem um pouco da minha personalidade. Mas eu também queria que as pessoas me vissem na real, sabe? Eu já mostrava isso nos stories, mas ali as pessoas  me viam por 15 segundos. Então, lá, elas puderam conhecer profundamente a Camilla agindo em diversas situações. Agindo no meio de um conflito, com as amizades, sabe? Eu também levei uma parte do meu público para o programa, pois eles conheciam meu trabalho e agora vão me conhecer como Camilla. E a galera que me conheceu como a Camilla lá dentro vai poder conhecer meu trabalho aqui fora. E eu espero que elas continuem comigo! (risos)

O cancelamento é, talvez, uma das palavras mais presentes atualmente, principalmente entre as pessoas que estão ativas nas redes sociais. Você já passou por essa experiência? Qual sua avaliação sobre comportamento de manada?

Na verdade, eu nunca passei por um cancelamento grande. Trabalhando com internet, já sou acostumada a ouvir comentários positivos e negativos. Quando decidi trabalhar com isso, tive que entender que essa situação poderia acontecer comigo e me perguntar: “Quero viver isso também?” Porque não é só o lado bom. Obviamente, eu não concordo com o cancelamento. Acho que os comentários são sempre necessários, comentários construtivos. Mas eu realmente não consigo ver um avanço nessa questão do fim do cancelamento, sabe? As pessoas na internet realmente acabam falando o que querem, e a gente não consegue controlar. O máximo que podemos fazer é bloquear. A gente também tem que aprender a ouvir o outro, pois nem sempre vou estar certa em tudo. Quando saí do BBB e vi o que aconteceu aqui fora, o nível de rejeição, levei um susto. Eu falei: “Meu Deus, o que será que aconteceu?” As pessoas têm que ter um cuidado porque a gente está lidando com vidas. Tentar filtrar os comentários, porque isso magoa, desestabiliza a pessoa. Não vale a pena essa ruindade excessiva. Eu acho que nada é motivo de cancelamento. Eu acho que é motivo de conversa. Se alguém errou, fale. Seja respeitoso. Se não gosta da pessoa, não vá na rede social dela. Vive a sua vida. Não gosta? Não segue e bloqueia, simples.

Você se sente cobrada a se posicionar o tempo todo nas redes sociais? 

Eu só me posiciono sobre o que eu acredito que é válido me posicionar e sobre o que acho que é necessário falar. Não quero ficar falando por aí sobre tudo. Mesmo que o pessoal fique: “Aí, acho que você deve falar sobre isso. Camilla, você viu isso? Camilla, você viu aquilo?” Eu gosto de me comunicar, estou no Twitter, gosto de ficar por dentro de tudo que acontece. Mas vou comentar sobre aquilo que acho necessário e sobre aquilo que eu acredito que a minha voz e a minha visibilidade vão contribuir de forma positiva. 

Você consegue dimensionar a relevância de falar sobre a transição capilar em um programa com a audiência do BBB, sobretudo para meninas negras? O momento em que você troca as tranças pelas laces foi muito importante, inédito entre todas as edições.

Olha, eu me desliguei totalmente do que poderia repercutir aqui fora. Juro pra você, de coração, que eu esqueci. Lá dentro, a gente não tem todos os equipamentos  para cuidar do cabelo. O meu cabelo, quando eu o uso black, eu seco no secador. Como não teria secador, decidi entrar com a trança. A trança é muito prática. Eu já uso trança aqui fora também, quando eu viajo. Menina, você sabe! Deita, levanta e você já tá pronta, não precisa ficar penteando. Quando tinha festa lá dentro, eu só fazia um coque em cima, colocava meu brinco e já estava pronta. Não tinha estresse nenhum de ficar tendo que acordar mais cedo pra finalizar o cabelo. Eu entrei com a trança, mas você sabe que a trança não dura tanto tempo, né? Uma vez que eu cortasse a trança, lá dentro, não teria como colocar mais. Pensando em ficar no programa até maio, eu planejei: “Vou levar a minha lace e, se não der certo, vou ficar com meu black”. Aquele foi um momento muito especial pra mim, mas eu realmente não tinha a dimensão do que poderia causar aqui fora. Quando coloquei a lace, imaginei que talvez as pessoas pudessem questionar. Vejo que algumas pessoas ainda acham que, quando você usa peruca, está querendo esconder o seu cabelo, sabe? E não é sobre isso. Ali, naquele momento, foi justamente porque eu não tinha todos os itens para cuidar do meu cabelo e a lace acabou sendo mais prática. Fiquei com ela uns 15 dias. Deitava, levantava e estava pronta! Foi justamente um método por praticidade. Só por isso. No dia que tirei as tranças, eu expliquei, mas acredito que aqui fora as meninas tenham ido pesquisar mais o meu canal pra poder entender o processo de transição capilar e também o mundo das perucas. Elas ajudam nesse processo de transição, que é um momento em que a autoestima da mulher acaba ficando um pouco mais baixa, sabe? Quando você está tirando a química, o cabelo quebra muito, requer mais cuidado. A lace vem como uma alternativa, junto com a trança, para a pessoa passar por essa fase da transição. 

"O 'ao vivo' era aquele momento em que a gente realmente se arrumava pra ficar mais bonitinha. Engraçado é que a gente esquece que o povo tem pay per view, né?"

Você é referência de beleza e moda, e isso ficou ainda mais evidente depois de sua entrada na casa. Você havia se preparado de alguma maneira pra isso, levando em consideração que o público teria acesso por 24 horas na rotina da Camilla de Luccas? E como foi ter esses cuidados diários no programa?

Não, só me programei para levar roupa pro “ao vivo”, que eram os únicos momentos em que, realmente, eu estava preocupada em me arrumar. Durante o dia, era só pijama cinza e pijama azul. Eu nem pude levar muitos pijamas. Pra lá a gente não pode levar roupa estampada, né? Acabou que meus outros pijamas foram barrados. (risos) Eu realmente não estava preocupada em mostrar beleza e moda durante o dia, não. Ficava de boa. Estava dentro de uma casa e queria agir como eu fico na minha casa, superconfortável e com meu casaquinho lilás. Aliás, aquele casaco, coitado daquele casaco, ele já tinha criado pernas e saía andando sozinho. (risos) Eu só tinha aquele casaco. O “ao vivo” era aquele momento em que a gente realmente se arrumava pra ficar mais bonitinha. Engraçado é que a gente esquece que o povo tem pay per view, né? (risos) Eu falava: “Ai, gente, tô o dia inteiro jogada, pelo menos à noite vou ficar mais produzida”. Mas não me programei e nem esquentava com isso. Tinha gente que ficava o dia inteiro maquiada, eu falava: “Meu Deus, gente, não dá pra ficar o dia inteiro de maquiagem para aparecer bonita no VT”. Então, eu me desprendi disso: sem maquiagem, cara limpa, o coque da trança, o casaquinho lilás e o pijaminha cinza. Era o look do dia! (risos) 

Tem alguma novidade que você está preparando para essa nova temporada? Parcerias com marcas de beleza? Moda?

Eu acho que não posso falar nada. (risos) Eu saí do programa na terça-feira (a entrevista foi feita seis dias após o término do BBB). Juro pra você que ainda não consegui sentar pra conversar direito com o pessoal da minha equipe sobre todas as coisas que estão rolando. Sei de algumas coisas que são boas, mas ainda não tem nada certo, porque ainda não terminei de ouvir as propostas e não participei das reuniões. Nem sei direito o que vou fazer, qual o meu cronograma. (risos) O que eu sei é que está vindo coisa boa e vou tentar, nesta semana, sentar pra poder me organizar e ver o que a gente vai fazer.

Circulou a informação no Twitter de que a Savage X Fenty teria entrado em contato com você pra uma parceria. É real ou fake news? 

Menina, sério. Eu juro que ainda não sei, será? Pode ser fake news. Se teve, ainda não me passaram. Sei que tem muita coisa que eu ainda não consegui sentar pra conversar, mas, se for, Rihanna, me chama que eu quero! (risos)

Como uma mulher negra retinta e uma das maiores influenciadoras de beleza, qual o recado para as meninas negras que acompanham você e sonham em ganhar espaço na internet? 

A clássica: não desista! Não tem outra coisa. Não tem como você chegar lá se você desistir. Eu sou muito sincera e o que eu posso dizer é que não é fácil. É uma corrida muito mais longa, muito mais difícil, mas tem espaço sim. E a gente precisa que vocês estejam comigo para que a gente mude esse cenário na internet. É difícil, mas é possível. A gente sabe que tem voz. Tem gente que quer nos ouvir. Tem gente que quer saber como a gente faz pra se cuidar e cuidar do nosso cabelo crespo, quer saber dos nossos truques exclusivos. Vem comigo que eu vou estar aqui pra abraçar vocês, pra apoiar, pra ajudar a divulgar, só não desista. A mensagem principal é que tem gente disposta a ouvir e eu só consegui crescer mesmo na internet e ter esse espaço por causa das pessoas que estavam ali, dispostas a me ouvir. Só cheguei no Big Brother porque essas pessoas me ouviram, divulgaram meu trabalho. E sou supergrata a elas!

Qual foi o momento mais difícil para você nos 100 dias que passou na casa?

Os momentos mais difíceis foram as brigas. Teve um dia que teve briga no quarto colorido, no quarto cordel, na sala, ao mesmo tempo. E, quando a gente está lá dentro, realmente tem que entender de tudo, porque senão você fica perdida. Dentro da casa, acontece muito telefone sem fio e, se você não for uma pessoa com uma cabeça firme no que acredita, acaba sendo facilmente influenciado. Teve conflitos lá dentro que, mesmo aqui fora, eu ainda não consegui entender o que aconteceu. Fiquei bem perdida mesmo, até a galera que acompanhou no pay per view, às vezes, não entende o que aconteceu. Os momentos mais difíceis, pra mim, eram os conflitos e tentar entender aquilo pra não fazer nenhum julgamento errado.

Como foi reencontrar o João, seu amigão na casa, depois do fim do programa? Como foi o pós-BBB com ele?

O pós-BBB é o momento da fofoca. Lá dentro, às vezes, a gente se olhava e pensava: “Meu Deus, que vontade de falar determinada coisa!” Mas eu me controlava, controlava a minha língua ali, pra não falar com ele. Mas o pós-BBB é fofoca de tudo o que aconteceu lá dentro. Tudo que a gente olhava e queria comentar, mas deixava pra depois. Eu ainda falava assim: “Amigo, lembra de me perguntar disso, disso e disso lá fora, que eu tô doida pra falar”. Então, o nosso pós-BBB é fofoca, não tem como ser diferente. (muitas risadas) Eu tô amando, cada coisa que eu tô sabendo, cada fofoca…

Muita gente que estava acostumada a ver seus vídeos nas redes se surpreendeu com uma Camilla mais séria, que discute questões importantes em profundidade. Você se sente cobrada em ser “a engraçada” o tempo todo?

A justiça vem do meu signo, sou libriana. (risos) Então, eu sou a justiceira. Não gosto de nada errado, sabe? Tento sempre ver o lado certo das coisas pra fazer o máximo possível direitinho. Eu sou uma pessoa engraçada, tem um momento que sou um pouco mais séria, mas eu sou bobeira. Meus momentos engraçados eu consegui ter com o João. Lá dentro, as pessoas eram muito diferentes de mim, então, até você ter essa abertura pra fazer uma brincadeira, é complicado. Por exemplo: o Fiuk era uma pessoa com quem eu brincava e às vezes ficava em dúvida. “Será que ele percebeu que é brincadeira ou ele acha que tô falando sério?” Ter essa abertura lá dentro pra fazer brincadeiras, ainda mais dentro de um jogo, onde uma brincadeira pode ser vista de forma errada e você ganha voto, era difícil. Esse meu lado engraçado lá dentro acabou ficando um pouco mais ofuscado pela minha seriedade. Em primeiro lugar, porque as pessoas eram diferentes de mim e eu não tinha essa abertura pra brincar. E também por causa da tensão da casa. É o dia inteiro pensando em jogo. Segunda-feira você acorda sabendo que a noite tem que falar mal de alguém no jogo da discórdia. Terça a gente acordava sabendo que alguém ia ser eliminado. Quarta-feira era festa, então, eu brincava com a galera. Na quinta, você já acordava sabendo que tinha prova do líder e que, dependendo de quem ganhasse, você estaria no paredão. E ali mesmo, na quinta, você poderia ir pra xepa ou pro vip, e a xepa já era um momento superestressante. Sexta você tinha a prova do anjo, que é importante, a gente queria ver a nossa família. Sábado era festa e tinha briga na festa, né? Era um momento proposital mesmo, porque sábado é festa, você tá num clima bom, tá num clima de conexão. Ali, parecia que a gente esquecia tudo. E, chega no domingo, você tem que votar numa pessoa que tava de papo com você na festa, superfeliz. Então, todos os dias da semana são muito estressantes. Você ser brincalhona num jogo, que é uma coisa muito séria, é mesmo muito difícil. A minha válvula de escape era o João, que era uma pessoa com quem tinha abertura para brincar e que tinha a mesma linguagem que a minha.

Antes da final, você já achava que a Juliette poderia ser aquele fenômeno?

Como eu falei, a gente não tem nenhuma informação do que possa estar acontecendo aqui fora, de forma positiva ou negativa. Quando o Tiago Leifert falou que ainda estava tendo a pandemia, essa foi a única informação que a gente teve de fora, e foi um susto muito grande. A gente estava acreditando – lá dentro, a nossa cabeça viaja – que estava ficando tudo bem, indo pra um caminho melhor. Saindo do BBB, a gente vai se organizar na casa de alguém, todo mundo junto, porque é bem provável que a pandemia já tenha passado. Enfim, a nossa cabeça viaja. Nas primeiras semanas, Nego Di chegou a comentar: “Gente, acho que o big fone tá tocando várias vezes num dia só pra movimentar o jogo, porque deve estar flopado”. A gente achava, às vezes, que o jogo poderia estar com uma audiência baixa aqui fora. Não tinha noção. Quando falaram pra Juliette sobre o fenômeno, eu falei: “Gente, o que tá acontecendo lá fora?” Tipo, qual foi a proporção do programa? O que será que tá dando bom? O que será que tá dando ruim? Foi um susto. Aquela foi a primeira informação de que, pelo sucesso da Ju aqui fora, o programa tinha bombado mais do que as outras edições. Foi um pouco assustador. No dia que eu saí, encontrei a minha família. Nesse dia, eu passei mal, gente. Vomitei duas vezes de ansiedade. Quando você sai, vê todo o pessoal de máscara, sabe? Todo encapado, a gente voltando para a realidade. Foi assustador. Várias pessoas dando várias informações, sabe? Encontrei a minha mãe e abracei ela. Fiquei tão aérea que não tive reação nenhuma. Você estar lá dentro e sair, ter um choque de uma coisa que você nem imaginava, é muito doido. A experiência da saída é bizarra.

Pra terminar, o que você diria pra aquela Camilla lá do ensino médio?

Diria: “Querida, acorda. Esse povo vai falar, mas eles queriam ser você”. (risos)

Beleza: Suyane Abreu
Cabelo: Lu Safro e Mabatha
Produção de moda: André Puertas
Produção de arte: Anderson Rodriguez
Produção executiva: Isabela de Paula
Tratamento de imagem: Thiago Auge

Manicure: Thayna Dandara
Assistentes de foto: Aline dos Santos e Naelson de Castro
Assistentes de beleza: Joana Werica
Contrarregra: Ronaldo Junge
Camareira: Egle Doxum