O sexy nunca foi tão inclusivo – finalmente!
Peças de roupa que envolvem e expõem o corpo estão de volta, mas, dessa vez, transportam quem as usa para uma nova dimensão de autoafirmação e positividade corporal.
por Lelê Santhana
Peças de roupa que envolvem e expõem o corpo estão de volta, mas, dessa vez, transportam quem as usa para uma nova dimensão de autoafirmação e positividade corporal.
por Lelê Santhana
Quando a estilista Karoline Vitto começou a fazer suas primeiras roupas, as peças piloto eram sempre tamanho 36 ou 38. “Não conseguia vestir minhas próprias criações”, diz a catarinense radicada em Londres. “Depois de alguns anos olhando para modelos que não tinham o meu corpo, comecei a me sentir uma farsa. Pensava: ‘Como estou fazendo uma mulher usar uma roupa que eu mesma não consigo experimentar?’”
Graduada na Central Saint Martins, Karoline está determinada a investigar o sexy baseada em uma nova lente, e o impulso surge das suas experiências mais íntimas. Tendo o corpo como peça central, a designer evoca a sexualidade feminina como uma ferramenta de autoafirmação a partir de representações honestas e identificáveis. Entre malhas elásticas, formas sinuosas e recortes estratégicos, ela celebra as áreas que, durante toda a nossa vida, nos aconselharam a esconder.
Diga olá para as dobrinhas de pele nas costas, para o quadril e até para o diafragma. Se, por muito tempo, o sexy foi concebido na moda pelo olhar masculino predatório e magro, Karoline quer mudar os rumos dessa conversa.
E ela não está sozinha. Há toda uma geração de designers comprometida em trilhar um novo caminho mais confiante, positivo e inclusivo com suas criações. Esse novo grupo repensa o sexy de forma inventiva, enquanto constrói uma base de clientes fiéis em uma relação quase simbiótica nas mídias sociais. Rui Zhou é um dos exemplos mais proeminentes quando falamos do assunto. Mesmo que você não a reconheça pelo nome, é muito provável que já tenha visto as suas criações nos corpos de Dua Lipa, Solange Knowles e da dupla Chloe x Halle.
Formada pela Parsons, em Nova York, a estilista chinesa, de 27 anos, manipula malhas, regularmente unidas por pérolas, com a técnica wabi-sabi para encontrar a beleza nas formas imperfeitas ou inacabadas. “Meu trabalho é uma exploração da tensão íntima entre o tecido e o corpo”, diz em conversa com a ELLE. “Aquilo em que acredito já está claro no meu trabalho. As peças mostram a pele, o corpo e a sexualidade da mulher, mas não para agradar o outro. Você está tomando o controle de seu corpo porque isso faz bem para você, e somente você.”
Mas nem sempre foi assim. Em 2000, Britney Spears acabava de apresentar ao mundo o seu segundo álbum, Oops... I did it again. No videoclipe da faixa-título, a cantora aparece contornada por um macacão de látex vermelho enquanto conquistava o espaço sideral. Essa se tornaria, mais tarde, uma das imagens mais reproduzidas da história da cultura pop.
No ano anterior, a forte linguagem visual do blockbuster de ficção científica Matrix também se incorporava ao zeitgeist da virada do milênio. Presa em algum lugar entre a realidade e o mundo virtual, Trinity, interpretada por Carrie-Anne Moss, usava botas de combate, óculos de sol minúsculos e, assim como a princesa do pop, roupas extremamente justas ao corpo. De alguma forma, o figurino da personagem se assemelhava ainda ao da Mulher-Gato, que, em 1966, apareceu pela primeira vez nas telas da televisão.
E ela não está sozinha. Há toda uma geração de designers comprometida em trilhar um novo caminho mais confiante, positivo e inclusivo com suas criações. Esse novo grupo repensa o sexy de forma inventiva, enquanto constrói uma base de clientes fiéis em uma relação quase simbiótica nas mídias sociais. Rui Zhou é um dos exemplos mais proeminentes quando falamos do assunto. Mesmo que você não a reconheça pelo nome, é muito provável que já tenha visto as suas criações nos corpos de Dua Lipa, Solange Knowles e da dupla Chloe x Halle.
Formada pela Parsons, em Nova York, a estilista chinesa, de 27 anos, manipula malhas, regularmente unidas por pérolas, com a técnica wabi-sabi para encontrar a beleza nas formas imperfeitas ou inacabadas. “Meu trabalho é uma exploração da tensão íntima entre o tecido e o corpo”, diz em conversa com a ELLE. “Aquilo em que acredito já está claro no meu trabalho. As peças mostram a pele, o corpo e a sexualidade da mulher, mas não para agradar o outro. Você está tomando o controle de seu corpo porque isso faz bem para você, e somente você.”
Mas nem sempre foi assim. Em 2000, Britney Spears acabava de apresentar ao mundo o seu segundo álbum, Oops... I did it again. No videoclipe da faixa-título, a cantora aparece contornada por um macacão de látex vermelho enquanto conquistava o espaço sideral. Essa se tornaria, mais tarde, uma das imagens mais reproduzidas da história da cultura pop.
No ano anterior, a forte linguagem visual do blockbuster de ficção científica Matrix também se incorporava ao zeitgeist da virada do milênio. Presa em algum lugar entre a realidade e o mundo virtual, Trinity, interpretada por Carrie-Anne Moss, usava botas de combate, óculos de sol minúsculos e, assim como a princesa do pop, roupas extremamente justas ao corpo. De alguma forma, o figurino da personagem se assemelhava ainda ao da Mulher-Gato, que, em 1966, apareceu pela primeira vez nas telas da televisão.
Essas não foram as únicas mulheres a usar peças coladas. Ao longo da história da moda, da música e do cinema, foram muitas as que se arriscaram ao vestir roupas que envolviam o corpo quase como uma segunda pele. Enquanto o terninho era derivado de códigos masculinos de poder, esses itens de silhueta justa e esguia pareciam possuir genuinamente a energia feminina de quem assume o controle, combinadas ainda às funções utilitárias.
Só que na prática não era bem assim. Enquanto a sexualidade era comercializada em massa, essas peças de roupas foram, por muito tempo, símbolos de prisão. Britney e tantas outras eram sufocadas por direitos contratuais sexistas – e a moda fazia parte desse jogo violento.
Pouco mais de duas décadas depois, a história, finalmente, começa a mudar. Pense em toda a potência de Megan Thee Stallion cantando raps explícitos enquanto veste Mugler, ou ainda em Lizzo e Yseult exalando positividade e beleza em peças ultrajustas.
Agora, a ideia de roupas reveladoras surge acompanhada por uma geração que reivindica a moda em seus próprios termos. Junto a ela, há também uma série de estilistas e marcas empenhadas em criar shapewear com tecnologias avançadas, fornecendo flexibilidade e conforto a quem o veste. Subverter a sensualidade, expondo partes do corpo que socialmente não são entendidas como as mais atraentes, também é uma intenção. Há ainda o desejo de celebrar todos os corpos, fazendo com que as mulheres se sintam sempre confortáveis em sua própria pele.
“Quero que você se sinta estimulada assim que fechar o zíper. Não importa qual é o seu tamanho, se a sua cintura é grande ou se o seu busto é pequeno. As minhas peças são feitas para se adaptar a qualquer corpo”, afirmou Casey Cadwallader em uma entrevista à imprensa. Quando o estadunidense foi anunciado como diretor criativo da Mugler, em dezembro de 2017, pouco se falou sobre o movimento. Apesar de já ter passado anteriormente pelas equipes de Loewe, Marc Jacobs e Acne Studios, Casey ainda não era um nome popular na indústria e a casa de moda francesa também não estava lá em seus melhores momentos.
Concebida por Thierry Mugler, em 1973, a marca representava muito da adolescência e juventude de seu fundador. Aos 14 anos, o francês ingressou no treinamento profissional de balé e, mais tarde, essa experiência formaria a sua percepção da moda como uma performance e do corpo humano como um instrumento de excelência artística. A silhueta construída por ele, de base ampulheta (busto ampliado e cintura ultrafina), não era das mais funcionais e muito menos das mais democráticas. “Se essa é uma moda divertida para algumas mulheres, ela pode ser uma depreciação para outras antisexistas”', escreveu a jornalista Aline Mosby em 1982.
A ideia de uma femme fatale, apoiada em enigmas fetichistas e arquétipos esculturais, podia até ser um tanto quanto sincronizada com a ascensão das supermodelos, no fim dos anos 1980 e início dos 90. Mas logo depois vieram a Calvin Klein e o minimalismo andrógino de Helmut Lang, e nada mais daquilo parecia fazer sentido. Em 2002, Thierry se aposentou e, a partir daí, pode-se dizer que a Mugler não viveu grandes momentos – ou, ao menos, até Casey Cadwallader chegar.
O estilista foi o terceiro diretor criativo encarregado de renovar a etiqueta em menos de dez anos. O cenário não era nada favorável. Ainda assim, o estadunidense tem conseguido devolver prestígio à maison e colocá-la em posição de destaque.
Embora não divulgue receitas, a marca se move com força e, entre mudanças de posicionamento e negócios, todas as suas peças de nudez ilusória se encontram esgotadas há meses. As consumidoras não são quaisquer uma: de Beyoncé a Cardi B, as figuras femininas mais relevantes na cultura pop atual estão vestindo a casa francesa.
“Nunca pagamos ninguém para vestir nada. Nunca. Tudo se resume a relacionamentos reais com pessoas que verdadeiramente querem usar Mugler”, revelou Casey ao The Business of Fashion. A preferência não é à toa. As torções elásticas desenvolvidas para as peças permitem que quem as usa mantenha plena mobilidade e conforto, mesmo vestindo um item ultrajusto – o que na antiga Mugler nem sempre era possível.
No último desfile da marca – um dos mais celebrados durante a temporada de verão 2021 –, havia macacões de náilon quase imperceptíveis de tão transparentes, laicra com cristais aplicados individualmente e vestidos de tiras como teias de aranha. O casting, que incluiu as atrizes Hunter Schafer e Dominique Jackson, cruzava a passarela entre contorções, pulos e cambalhotas. Se essas eram ações reservadas apenas para super-heroínas, a musa Mugler é também um pouco disso, mas, agora, com noções ampliadas de raça, gênero e, principalmente, forma corporal.
Enquanto os consumidores aumentam a pressão para que as empresas pensem além das campanhas de marketing e passem a se envolver de forma mais profunda e transparente com grupos sub-representados, a etiqueta francesa parece sair na frente no mundo do luxo. “Existem tantas mulheres que querem vestir alta moda, mas se sentem rejeitadas. A Mugler deseja que elas façam parte da nossa casa e eu quero que elas saibam disso”, disse Casey ao The Business of Fashion.
“Quero que você se sinta estimulada assim que fechar o zíper. Não importa qual é o seu tamanho, se a sua cintura é grande ou se o seu busto é pequeno. As minhas peças são feitas para se adaptar a qualquer corpo”, afirmou Casey Cadwallader em uma entrevista à imprensa. Quando o estadunidense foi anunciado como diretor criativo da Mugler, em dezembro de 2017, pouco se falou sobre o movimento. Apesar de já ter passado anteriormente pelas equipes de Loewe, Marc Jacobs e Acne Studios, Casey ainda não era um nome popular na indústria e a casa de moda francesa também não estava lá em seus melhores momentos.
Concebida por Thierry Mugler, em 1973, a marca representava muito da adolescência e juventude de seu fundador. Aos 14 anos, o francês ingressou no treinamento profissional de balé e, mais tarde, essa experiência formaria a sua percepção da moda como uma performance e do corpo humano como um instrumento de excelência artística. A silhueta construída por ele, de base ampulheta (busto ampliado e cintura ultrafina), não era das mais funcionais e muito menos das mais democráticas. “Se essa é uma moda divertida para algumas mulheres, ela pode ser uma depreciação para outras antisexistas”', escreveu a jornalista Aline Mosby em 1982.
A ideia de uma femme fatale, apoiada em enigmas fetichistas e arquétipos esculturais, podia até ser um tanto quanto sincronizada com a ascensão das supermodelos, no fim dos anos 1980 e início dos 90. Mas logo depois vieram a Calvin Klein e o minimalismo andrógino de Helmut Lang, e nada mais daquilo parecia fazer sentido. Em 2002, Thierry se aposentou e, a partir daí, pode-se dizer que a Mugler não viveu grandes momentos – ou, ao menos, até Casey Cadwallader chegar.
O estilista foi o terceiro diretor criativo encarregado de renovar a etiqueta em menos de dez anos. O cenário não era nada favorável. Ainda assim, o estadunidense tem conseguido devolver prestígio à maison e colocá-la em posição de destaque.
Embora não divulgue receitas, a marca se move com força e, entre mudanças de posicionamento e negócios, todas as suas peças de nudez ilusória se encontram esgotadas há meses. As consumidoras não são quaisquer uma: de Beyoncé a Cardi B, as figuras femininas mais relevantes na cultura pop atual estão vestindo a casa francesa.
“Nunca pagamos ninguém para vestir nada. Nunca. Tudo se resume a relacionamentos reais com pessoas que verdadeiramente querem usar Mugler”, revelou Casey ao The Business of Fashion. A preferência não é à toa. As torções elásticas desenvolvidas para as peças permitem que quem as usa mantenha plena mobilidade e conforto, mesmo vestindo um item ultrajusto – o que na antiga Mugler nem sempre era possível.
No último desfile da marca – um dos mais celebrados durante a temporada de verão 2021 –, havia macacões de náilon quase imperceptíveis de tão transparentes, laicra com cristais aplicados individualmente e vestidos de tiras como teias de aranha. O casting, que incluiu as atrizes Hunter Schafer e Dominique Jackson, cruzava a passarela entre contorções, pulos e cambalhotas. Se essas eram ações reservadas apenas para super-heroínas, a musa Mugler é também um pouco disso, mas, agora, com noções ampliadas de raça, gênero e, principalmente, forma corporal.
Enquanto os consumidores aumentam a pressão para que as empresas pensem além das campanhas de marketing e passem a se envolver de forma mais profunda e transparente com grupos sub-representados, a etiqueta francesa parece sair na frente no mundo do luxo. “Existem tantas mulheres que querem vestir alta moda, mas se sentem rejeitadas. A Mugler deseja que elas façam parte da nossa casa e eu quero que elas saibam disso”, disse Casey ao The Business of Fashion.
O sentimento citado pelo estilista se assemelha em muito ao desabafo feito por Letticia Munniz em conversa com a ELLE. “Sempre amei moda, mas a moda nunca me amou”, diz a modelo e influenciadora capixaba, de 30 anos. “Me sentia rejeitada. Era muito claro que eu só teria direito de fazer parte dessa indústria se me tornasse magra.”
Embora enfrentasse uma enorme dificuldade para encontrar roupas, Letticia ainda se encaixava no tamanho G. Porém tinha que lidar constantemente com peças extremamente justas, mesmo quando a proposta não era essa. Agora, sua preferência por modelagens que revelem a silhueta já não se baseia mais na frustração pela ausência de tamanhos maiores no mercado e, sim, em sua própria vontade. “Não uso para chocar. Uso porque me sinto linda, me sinto gostosa e não quero mais esconder o meu corpo. Por que as mulheres magras podem fazer isso o tempo todo e eu não?”, questiona.
Letticia finaliza a sua fala afirmando: “O amor-próprio é o novo sexy”. E é aí que ela toca em um ponto essencial para essa conversa. Historicamente, a sexualidade representou um grande trunfo da publicidade de moda. Tom Ford que o diga. Seja na Gucci, seja na Saint Laurent, o diretor criativo lançou ao mundo imagens de nudez explícita durante as décadas de 1990 e 2000. Não demorou para que esse se tornasse, então, um movimento de toda a indústria.
Após o ano menos sexy de nossas vidas, os estilistas parecem saber exatamente o que estamos ansiando: toque humano. Enquanto o processo de vacinação avança em alguns lugares do mundo, a moda vislumbra o máximo contato pele a pele e, por meio de peças reveladoras, deixa para trás o conforto preguiçoso induzido pela pandemia. Ele, claro, terá sempre o seu valor. Aliás, no dia em que voltarmos para casa correndo e nos sentirmos emocionados por colocar um moletom, saberemos que a normalidade terá, de fato, retornado.
Enquanto esse momento não chega (no Brasil, pelo visto, ainda irá demorar), revelar um pouco de pele, assim que for seguro sair por aí, pode ser interessante. Mudar as lentes pelas quais enxergamos o nosso próprio corpo exige bastante de nós, mas enquanto tivermos Lizzo conduzindo a narrativa de que sexy é uma atitude e pode ser obtida por qualquer mulher, esse processo se torna, pelo menos, um pouco mais fácil. E o que é crucial: estaremos fazendo isso apenas por nós mesmas.