A gargalhada é o look da noite
Selecionamos quatro sitcoms para explorar seus temas, looks e entender como essas séries de comédia influenciaram nosso senso estético.
por Thaís Regina
Selecionamos quatro sitcoms para explorar seus temas, looks e entender como essas séries de comédia influenciaram nosso senso estético.
por Thaís Regina
A comédia se ajusta ao seu tempo. Nos anos 1990, houve uma espécie de era de ouro das sitcoms (abreviação de situation comedy), comédias nas quais, a cada episódio, certo ciclo se repete com os mesmos personagens centrais. São séries de médicos, advogados, famílias e grupos que se mantêm por perto apesar de seus comportamentos serem conflitantes. Juntos, eles enfrentam outra situação que faz com que esses embates, já existentes e conhecidos, venham à tona: os personagens nucleares de sitcoms não podem aprender com seus erros ou transformar seu modo de agir porque isso acabaria com a série. Logo, os personagens de sitcom estão fadados a falhar — e é por isso que os amamos.
Nesta lista, queremos refletir sobre como o humor e a moda expressam as personalidades marcantes das sitcoms e influenciam nosso próprio senso estético. Escolhemos The fresh prince of Bel-Air, Living single, Chewing gum e Black-ish. São comédias diferentes, com perfis de personagens distintos e de tempos diferentes, mas todas são curiosamente cativantes.
Por serem sitcoms em que pessoas negras estão em papéis de destaque, o repertório de referências nelas é um grande diferencial. Se no primeiro episódio de The fresh prince of Bel-Air, Will grampeia um pôster de Malcolm X na parede do quarto, no piloto de Living single, Khadijah está desesperada, pois acabou de perder sua entrevista de capa da nova edição da Flavor Magazine, que seria com Maya Angelou. Em Chewing gum, Tracy Gordon reza para Jesus Cristo e Beyoncé. Já em Black-ish, Dre se culpa por seu filho não conhecer a fundo a história de Martin Luther King Jr. e decide transformar uma viagem em família em uma aula sobre racismo.
Além de moda e repertório impressos até hoje nas nossas preferências, essas séries cuidam da gente em dias ruins. Em certa medida, é essencial que esses personagens não cresçam porque, assim, nós crescemos. Aprendemos que está tudo bem errar quantas vezes for necessário e que a vida pode ser mais leve se rirmos de nós mesmos.
“This is a story all about how my life got twisted upside down and I’d like to take a minute, just sit right there: I will tell you how I became the Prince of a town called Bel-Air.” Para quem cresceu nos anos 1990, o rap de abertura da série The fresh prince of Bel-Air (no Brasil, Um maluco no pedaço) é um clássico. Para mim e para minha irmã, que crescemos nos anos 2000 assistindo à reprise na TV aberta, a música é sagrada. Podemos passar tempos sem assistir, mas, quando o beat começa, remontamos o ritual: eu faço os versos do Will e ela interpreta a imitação da mãe dele no rap. Os versos se montam sozinhos na boca. Interpretada pelo próprio Will Smith com um dos maiores DJs de hip-hop do mundo, Jazzy Jeff — também conhecido pelo personagem Jazz, melhor amigo de Will, que, em quase todo episódio, o Tio Phill joga porta afora —, a linguagem das rimas em uma contação de história descontraída segue o mesmo estilo da discografia que o duo vinha desenvolvendo antes da série.
Convidar o rapper da Filadélfia para protagonizar uma sitcom inspirada nele mesmo foi uma grande jogada da NBC. No final dos anos 1980, D.J. Jazzy Jeff & The Fresh Prince, vulgo Will Smith, já tinham emplacado faixas na Billboard Hot 100 como “Boom! Shake the room”, “Ring my bell” e “Parents just don’t understand”. Em 1991, a dupla alcança sua maior marca com “Summertime”, chegando à quarta posição no gráfico. Essas curiosidades tornam toda experiência de rever Um maluco no pedaço muito saborosa. Mas mesmo sem o contexto, a série entrega seis temporadas de arquétipos cativantes e complexos, raridade nas sitcoms, narrativas que misturam uma comédia familiar com discussões de classe, raça e gênero. Ah, e o tempero fundamental, rende boas gargalhadas.
No styling de Um maluco no pedaço, a fashionista Hillary Banks ganha destaque, mas Will definitivamente rouba a cena. São opostos complementares: a frequentadora de lojas de grife embasada em um estilo mais clássico e o dono de um estilo irreverente, em uma profusão de cores, estampas e um jeito próprio de dominar as roupas. Não é sempre que Will usa um macacão, mas quando o faz deixa uma alça desabotoada. Não é sempre que Will usa um blazer, mas quando o faz as ombreiras são sempre exageradas. Muito além das camisetas oversized, Smith lançou looks que gritavam anos 1990, como o jeans de cintura alta com botas mountain e o conjunto de agasalho (tracksuit) monocromático com tênis de basquete.
Carlton deixa sua digital em como um mauricinho liberal se veste — e como dança, lógico. Já Ashley anuncia um diálogo entre esses mundos e sua forma de se vestir nas últimas temporadas continua sendo tendência até hoje, especialmente no feed de moda do TikTok. Entre Hillary e Will, Ashley Banks é uma combinação entre a autenticidade e um afiado tino fashion — não à toa, a queridinha da série.
Seis amigos compartilham suas rotinas em Nova York. Em grande elenco, Queen Latifah é Khadijah, a idealizadora e editora-chefe de uma revista chamada Flavor Magazine. Ela mora com sua prima, Synclaire, e sua amiga de infância, Regine. Max é uma advogada de sucesso especializada em divórcios com vários problemas de intimidade e confiança. O coração da série está na dinâmica dessas quatro mulheres negras, suas emoções e investidas. Kyle, um corretor de ações, e Overton, o faz-tudo do prédio, também estão em todos os episódios, mas raramente suas questões pessoais são as que movem a trama. A dinâmica entre os amigos forma uma família espontânea, engraçada e ácida, sobretudo divertida de acompanhar — mas também bastante disfuncional.
Assim como Um maluco no pedaço aproveitou o bom momento de início de carreira de Will Smith, Latifah estava em seu segundo disco e já contava com participações em Jungle fever (1991), de Spike Lee, e em dois episódios da segunda temporada de Um maluco no pedaço quando a Fox assinou um contrato com ela. Vale citar que, ao completar uma temporada no ar, NBC resolveu lançar uma série com exatamente a mesma premissa e que receberia muito mais divulgação da distribuidora Warner Bros: Friends.
A estética da produção de Living single pega o sabor do final dos anos 1980 e começo dos 1990 — e é de admirar o preciosismo da direção de arte, desde um simples quadro de créditos até a entrada de cada personagem. São muitos blazers com ombreiras exageradas, mangas presunto, suspensórios estampados, conjuntos sociais, camisetas de basquete e vestidos de festa. As fortes personalidades permitem que, na mesma cena, colares de pérolas convivam pacificamente com durags. Ou seja, em Living single você vai encontrar uma grande variedade de estilos, sempre com um alto padrão de elegância.
Seis amigos compartilham suas rotinas em Nova York. Em grande elenco, Queen Latifah é Khadijah, a idealizadora e editora-chefe de uma revista chamada Flavor Magazine. Ela mora com sua prima, Synclaire, e sua amiga de infância, Regine. Max é uma advogada de sucesso especializada em divórcios com vários problemas de intimidade e confiança. O coração da série está na dinâmica dessas quatro mulheres negras, suas emoções e investidas. Kyle, um corretor de ações, e Overton, o faz-tudo do prédio, também estão em todos os episódios, mas raramente suas questões pessoais são as que movem a trama. A dinâmica entre os amigos forma uma família espontânea, engraçada e ácida, sobretudo divertida de acompanhar — mas também bastante disfuncional.
Assim como Um maluco no pedaço aproveitou o bom momento de início de carreira de Will Smith, Latifah estava em seu segundo disco e já contava com participações em Jungle fever (1991), de Spike Lee, e em dois episódios da segunda temporada de Um maluco no pedaço quando a Fox assinou um contrato com ela. Vale citar que, ao completar uma temporada no ar, NBC resolveu lançar uma série com exatamente a mesma premissa e que receberia muito mais divulgação da distribuidora Warner Bros: Friends.
A estética da produção de Living single pega o sabor do final dos anos 1980 e começo dos 1990 — e é de admirar o preciosismo da direção de arte, desde um simples quadro de créditos até a entrada de cada personagem. São muitos blazers com ombreiras exageradas, mangas presunto, suspensórios estampados, conjuntos sociais, camisetas de basquete e vestidos de festa. As fortes personalidades permitem que, na mesma cena, colares de pérolas convivam pacificamente com durags. Ou seja, em Living single você vai encontrar uma grande variedade de estilos, sempre com um alto padrão de elegância.
Uma jovem de 20 e poucos anos deseja perder sua virgindade. Baseada na peça de teatro de Michaela Coel, a série, que ganhou duas temporadas — e antecede a brilhante I may destroy you —, teve todos seus episódios escritos e protagonizados por Coel. Em uma das melhores resenhas sobre a produção, o The New York Times escreveu que Michaela Coel é uma palhaça no mais tradicional e melhor sentido: “Alegre, livre, sem pudor e com a vontade de ir a qualquer lugar na busca pelo riso”. A quebra da quarta parede para tecer comentários sobre as situações remonta aos palcos, mas os personagens que acompanham Tracy Gordon (senhorita Coel) na produção da Netflix enriquecem a narrativa. A mãe, rígida e fervorosa fiel da igreja, e a irmã, invejosa e igualmente reprimida sexualmente, são exemplos do humor da série: uma convergência de graça com inquietação e constrangimento profundo.
Nesse clima, acompanhamos as desventuras de Tracy na busca de transar. Como uma mulher negra, as violências que atravessam essa situação são incrivelmente desconfortáveis. Como uma mulher negra, Tracy não é perfeita, tampouco está preparada para lidar com o absurdo do mundo real. É nessa evidente humanidade e erros infantis que o riso se desembaraça. A estética de Tracy apresenta uma Londres também difícil de ser vista pela moda. Saias jeans e suéteres simples com a gola de uma camisa estampada à mostra compõem um look clássico da protagonista. Afinal, ela é criada em um fervor cristão em um bairro pobre. O que mais salta aos olhos são as cores vibrantes, os moletons estampados e o ordinário desconforto de ser — e Michaela Coel nos convida a rir um pouco disso.
Rumo à oitava e última temporada, a queridinha Black-ish coleciona nomeações ao Globo de Ouro e ao Emmy, além de uma fiel audiência. A história é simples: uma família negra de classe média alta convivendo. Por meio da narração de Dre, pai da família, acompanhamos como a situação de conflito se apresenta, seja no Dia dos Namorados, seja no dia de Martin Luther King Jr. Para além de Dre, acompanhamos como Rainbow, sua esposa, e seus quatro filhos respondem diferentemente à mesma situação. E aqui reside a genialidade da série da Kenya Barris: não é uma sitcom que se contenta com uma voz única que represente toda a comunidade negra, até porque, isso não existe. De fato, é mais saboroso assistir os conflitos do que as convergências, e também é mais justo com pessoas negras que suas individualidades sejam contempladas.
E quem não gostaria de se vestir como Rainbow? O styling da personagem de Tracee Ellis Ross é formidável e, entre as cenas mais marcantes e a infindável quantidade de listas no Pinterest que recriam seus looks, destaca-se o tipo de estilo que une o conjunto social a um tênis, ou o contrário, um moletom com saia plissada e uma bota de cano curto. Rainbow não é 100% social nem totalmente sporty, e sua ponderação entre ambos é muito bem-vinda. A cada episódio, as relações sociais e políticas que cercam a existência dessas pessoas trazem à tona seus conflitos e alegrias, virtudes e defeitos — assim como na vida real.
Rumo à oitava e última temporada, a queridinha Black-ish coleciona nomeações ao Globo de Ouro e ao Emmy, além de uma fiel audiência. A história é simples: uma família negra de classe média alta convivendo. Por meio da narração de Dre, pai da família, acompanhamos como a situação de conflito se apresenta, seja no Dia dos Namorados, seja no dia de Martin Luther King Jr. Para além de Dre, acompanhamos como Rainbow, sua esposa, e seus quatro filhos respondem diferentemente à mesma situação. E aqui reside a genialidade da série da Kenya Barris: não é uma sitcom que se contenta com uma voz única que represente toda a comunidade negra, até porque, isso não existe. De fato, é mais saboroso assistir os conflitos do que as convergências, e também é mais justo com pessoas negras que suas individualidades sejam contempladas.
E quem não gostaria de se vestir como Rainbow? O styling da personagem de Tracee Ellis Ross é formidável e, entre as cenas mais marcantes e a infindável quantidade de listas no Pinterest que recriam seus looks, destaca-se o tipo de estilo que une o conjunto social a um tênis, ou o contrário, um moletom com saia plissada e uma bota de cano curto. Rainbow não é 100% social nem totalmente sporty, e sua ponderação entre ambos é muito bem-vinda. A cada episódio, as relações sociais e políticas que cercam a existência dessas pessoas trazem à tona seus conflitos e alegrias, virtudes e defeitos — assim como na vida real.