chiclete, um grude eterno

Eu masco, tu mascas, ele masca, nós mascamos: das resinas vegetais aos bilhões de gomas consumidas no mundo, conheça a história e as curiosidades da mais pop das guloseimas.

Por Matheus Fernandes

POP DOS 
POPS
HISTÓRIA
CHICLETE
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GRUDENTOS
ARTE
MASTIGADA
PELO
MUNDO
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  • A humanidade masca diferentes substâncias vegetais há milênios – um pedaço de resina de bétula com 5,7 mil anos de idade encontrado na Dinamarca foi usado para traçar o genoma completo de sua mascadora.
  • A palavra chiclete vem de “chicle”, nome dado à seiva do sapotizeiro, uma das resinas mais populares para essa finalidade. Outras alternativas incluem o mástique, proveniente da aroeira, e a resina do abeto – essa última, a matéria-prima utilizada pelo empresário estadunidense John B. Curtis na primeira goma de mascar produzida comercialmente, em meados do século 19.
  • Ainda no século 19, uma inusitada conexão entre o presidente exilado do México Antonio López de Santa Anna e o inventor Thomas Adams acabou originando a forma moderna da goma de mascar. Santa Anna, que tinha o hábito de mascar chicle, apresentou a resina a Adams como uma possível alternativa à borracha vulcanizada. O chicle não funcionou para fins industriais, mas Adams viu que o material tinha grande potencial para virar guloseima – e deu início à empresa que leva seu sobrenome.
  • Apesar de seu início como produto vegetal, desde a metade do século 20 as gomas de mascar passaram a ser sintéticas. A goma-base é composta de materiais como o polietileno e acetato de polivinila. Quer dizer, o puxa-puxa que mascamos tem muito em comum com tubos de cola e latas de tinta látex.
  • O chiclete como o conhecemos – macio, rosa e propício para bolhas – foi inventado em 1929 por Walter Diemer. A icônica cor rosa surgiu por coincidência: o corante era o único disponível na fábrica. 
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Doce, colorido e grudento, o chiclete é a guloseima emblemática da cultura pop. A goma de mascar dominou a música com os hits açucarados do bubblegum dos anos 1960, protagonizou momentos icônicos no cinema e viu sua cor se tornar referência na moda, com o onipresente tom rosa dos anos 2000. O chiclete foi parar até nos museus. Mas por que esse doce virou sinônimo de pop?

Essa comparação vem do surgimento da ideia de juventude e das novas formas de consumo associadas a ela, como o cinema, o rock e o fast food, explica Jeder Janotti Jr., professor do departamento de comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Mastigar chicletes era considerado um mau hábito, que está associado inclusive a ícones desse início da música pop e do rock and roll. A ideia do rebelde tem essa coisa não só da vestimenta, mas também do ato de mastigar chiclete”, diz. Essa analogia foi usada também pelos detratores da produção pop, pelo chiclete ser um alimento de consumo rápido e desprovido de nutrientes.

Professora de semiótica da Universidade de São Paulo (USP) e fundadora da Casa Semio, Clotilde Perez também enxerga uma ligação entre o doce e o universo jovem. “A ideia de mascar como um hábito é muito anterior. Mas o chiclete especificamente vem de um contexto de expansão da cultura de consumo associada à cultura das mídias. Ele passa a ser expressivo dessa mistura, e quem é o vetor disso sempre é o jovem. O chiclete incorpora perspectivas quase instintivas da questão do mascar com esse lado lúdico da cor e da bola”, explica.

É esse aspecto lúdico da cor que foi mais bem incorporado pela moda. O rosa-chiclete foi dominante nas passarelas recentemente, aparecendo em coleções de Valentino, Chanel e Miu Miu. “Numa situação de crise, é muito próprio a gente se assegurar de valores e suas expressões mais cotidianas, que trazem algum tipo de segurança. O rosa-chiclete é uma forma lúdica de sair de um cotidiano muito difícil”, diz Perez.

Como Roddy Piper no filme Eles vivem, estamos aqui para mascar chiclete. Então, proteja seus tênis, não encoste na parte de baixo da mesa e confira algumas curiosidades sobre a história desse doce.

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  • A indústria de gomas de mascar arrecadou globalmente mais de 32 bilhões de dólares em 2019. Só nos Estados Unidos são mais de 173 milhões de consumidores. Nos anos 1990, o consumo global era estimado em 560 mil toneladas por ano, ou 374 bilhões de unidades.
  • Ainda assim, o produto está em declínio. As vendas já vinham em tendência de baixa antes da pandemia e, em 2020, caíram globalmente mais de 14%. Entre os motivos apontados para isso estão a busca por uma alimentação mais saudável, a preocupação com a sustentabilidade e a ascensão do celular como alternativa para se distrair na fila do supermercado.
  • O recorde para maior número de bolhas em um minuto é 15. A maior bolha de chiclete registrada tem 50,8cm. Já a maior bolha de chiclete soprada pelo nariz tem 27,94 cm.
  • Em 2004, um chiclete mascado atribuído à cantora Britney Spears foi vendido no eBay por 14 mil dólares.
Getty Images
  • Durante as filmagens do filme Grease – Nos tempos da brilhantina (1978) foram mascados mais de 100 mil chicletes.
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  • Como é feita de materiais sintéticos, a goma de mascar não é biodegradável. A maior parte delas é descartada de forma incorreta. Faltam dados exatos sobre esse impacto, mas essa preocupação já motivou no exterior a criação de alternativas sustentáveis, feitas de ingredientes naturais.
  • O chiclete é o segundo detrito mais comum nas cidades, atrás somente das bitucas de cigarro. No Reino Unido, mais de 92% das pedras de calçamento no país tinham chicletes grudados.
  • O produto também pode ter benefícios. Um estudo de 2011 feito por psicólogos da St. Louis University com 159 estudantes mostra que o ato de mascar melhora seu desempenho em tarefas intelectuais por até 20 minutos.
  • Calma, Clairo! Contrariando as crenças populares, o chiclete não passa sete anos em seu corpo se for engolido. Apesar de não ser digerível, por ser pequeno e macio, ele é eliminado sem problemas.
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  • O chiclete já fez muita arte por aí. A artista feminista pioneira Hannah Wilke escolheu esse material para suas esculturas de vaginas nos anos 1970. “Eu escolhi a goma porque é a metáfora perfeita para a mulher estadunidense – mastigue-a, consiga o que quer dela, jogue-a fora e repita com uma nova peça”, disse a artista na época.
Cortesia Hannah Wilke
  • Em sua série S.O.S. Starification Object Series, Wilke replica as poses típicas da moda e da publicidade, mas com seu corpo coberto por chicletes. “O objetivo das gomas é interromper o nosso olhar e nos fazer parar e pensar mais criticamente sobre as maneiras em que os corpos das mulheres são frequentemente cooptados para o lucro de outra pessoa”, explica Tamara Schekenberg, curadora da mostra retrospectiva de Wilke no Pulitzer Arts Center.
Cortesia Hannah Wilke
  • Outros artistas que trabalham com o chiclete: o pintor Ben Wilson utiliza os chicletes grudados no chão como base para micropinturas. O fotógrafo Michael Massaia cria composições visuais abstratas com chicletes mascados e o escultor Maurizio Savini utiliza o material em suas esculturas cor-de-rosa.
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  • Singapura ficou famoso por ser o país onde o chiclete é proibido. Mas aqui vale um esclarecimento: o consumo da goma de mascar não é vetado por lá. A proibição é em relação à venda e à importação de chicletes. Ou seja, se você for a Singapura, só vai conseguir mascar chicletes se levar de casa.
  • A exceção em Singapura são os chicletes com propósitos saudáveis, como os usados em tratamentos para largar o cigarro ou para prevenir cáries. Esses podem ser vendidos, mas apenas em farmácias.
  • A cidade de San Luis Obispo, na Califórnia, tem como atração turística o Bubblegum Alley, ou beco do chiclete, uma parede de 20 m coberta pelos chicletes mascados dos visitantes. Outra cidade estadunidense, Seattle, possui um destino semelhante, a Gum Wall. Em 2015, ela foi completamente limpa, com mais de 1 milhão de chicletes removidos.
Getty Images
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  • Sete músicas para ouvir mascando chiclete
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