Vinte e seis anos se passaram e o legado do filme permanece. Conversamos com Mona May, a figurinista, para investigar o caso.
Com um computador desajeitado dos anos 1990 – mas que era muito tecnológico para a época –, a personagem escolhia o look do dia em questão de segundos e alguns cliques. Anos depois, o sonho do closet virtual próprio ainda não é uma realidade, mas continuamos igualmente obcecadas.
Em uma das primeiras cenas, após o aplicativo declarar a combinação de peças incompatível, Cher seleciona um conjunto amarelo tão icônico quanto as frases ditas por ela no filme. Apesar de ter entrado no imaginário popular como símbolo da década, o visual soava um tanto distante. Três anos antes, Marc Jacobs havia lançado a sua fatídica coleção para Perry Ellis, enquanto Kate Moss parecia não poder sair de casa sem seu par de Dr. Martens. O grunge estava em seu apogeu, mas não aos olhos de Mona May.
A figurinista de As patricinhas de Beverly Hills foi uma das profissionais que reescreveram a estética dos anos 1990. Para ela, as calças largas se tornaram minissaias. O preto foi substituído por uma cartela de cores vibrante. E os coturnos, trocados por Mary Janes. A mudança era drástica, porém, em algum nível, encontrou lacunas para coexistir no mesmo espaço e tempo.
Embora seja difícil processar que 26 anos se passaram, o longa nunca foi embora. As patricinhas de Beverly Hills conquistou um lugar cativo nas plataformas de streaming e segue como assunto nas conversas das mídias sociais, e como referência de moda. Fenômenos como esse são difíceis de explicar. Seria pela narrativa? Talvez. Essa não é mais uma produção genérica sobre o ensino médio. Em vez de glorificar comportamentos esnobes, o filme celebra a autenticidade e o poder duradouro das amizades femininas. O roteiro, aliás, é baseado no romance Emma, de Jane Austen.
Mas não se pode negar que o figurino é uma das características memoráveis, senão a mais. Ele conduz a trama, estabelece algumas das melhores falas e é a descoberta de autoexpressão das personagens. Em entrevista à ELLE Brasil, Mona May comenta o impacto intergeracional de seu trabalho, revela curiosidades dos bastidores e explica a sensação de estar à frente de um dos maiores fenômenos da cultura pop.
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ELLE'S WARDROBE
Não mesmo. Para mim, parece que foi ontem. É louco pensar que, na verdade, já se passaram décadas, e ainda há tanto amor por esse filme. Ele foi o meu primeiro como figurinista. Ainda nem tinha um agente. Eu mesma negociei o cachê. Quando estávamos trabalhando nele, nenhum de nós imaginava o que As patricinhas de Beverly Hills se tornaria. Essa é a importância de estar sempre aberto às oportunidades.
Conheci Amy (Heckerling, roteirista e diretora do filme) um ano antes, na gravação do piloto de outro projeto que nunca chegou a ir ao ar. Nos apaixonamos criativamente. Ela também adora moda e éramos como duas garotas tendo ideias loucas. Quando escreveu As patricinhas, Amy me encontrou e disse: “Você é a pessoa certa para isso”. Ela sabia que eu tinha um olhar treinado para a moda, o que era essencial para a história. Esse foi um dos primeiros longas a relacionar o ensino médio com estilo. Veio antes de filmes como Legalmente loira, que também possuía moda na trama.
Sim. Desde o princípio, o estilo já havia sido escrito. Como figurinista, meu primeiro passo é sempre ouvir o diretor. Estou lá para apoiar e traduzir a sua visão. Preciso entender exatamente como ele enxerga os personagens. Nesse caso, entendíamos a Cher como uma garota doce e inocente que, no final das contas, só quer uma vida boa. O filme tinha disso. A história girava em torno de garotas bonitas que possuíam um estilo de vida rico e podiam gastar dinheiro com roupas e viagens para a Europa. A moda precisava ser fabulosa, ultrafeminina e ter um pouco daquela dose atrevida de diversão.
Essa foi uma questão. Lembro que, nas nossas pesquisas de campo, eu e Amy visitamos alguns colégios. A gente queria ver como os jovens estavam se vestindo, e foi desanimador. Era tudo sobre calças largas e estampas de flanela. Nada disso representava o que precisávamos transmitir. Os próprios atores chegavam ao set com seus looks grunge. Então, a gente pensou: como podemos definir tendências que ainda não estão nas ruas? Olhamos para os desfiles da moda europeia, mas foi um desafio trazer essas referências para um cenário de ensino médio de forma adaptada e real.
Estou feliz que você notou. Tínhamos que ter a certeza de que tudo parecia autêntico. Não queríamos garotas correndo de salto-alto pelos corredores de uma escola como modelos esnobes. No filme, não usamos salto agulha. Sempre usamos mary jane. Era importante que elas estivessem com o pé no chão e continuassem jovens. Tudo era apropriado para a idade. Não havia decotes ou algo muito sexy. Sinto que criamos um senso de inocência renovado.
Com certeza. Para mim, é essencial que os atores tenham voz. Estamos criando isso juntos. Se eles não se sentirem confortáveis, não fiz o meu trabalho. Acredito que isso faça parte do sucesso do filme. As pessoas não queriam ter só as roupas das personagens. Queriam ser elas. Esse é o tipo de autenticidade que você só alcança colaborando com o elenco. Nesse caso, estávamos cheios de novos atores. Alicia (Silverstone) estava apenas 18 anos e não tinha experiência com cinema. Ela era ativista dos animais e não ligava muito para moda. Tivemos que ensiná-la a ser uma garota de moda, como se movimentar com essas peças. A cada prova de roupa, víamos Alicia se tornar Cher.
Sim, essa é a magia. Um figurinista pode desenvolver várias pesquisas e materiais visuais para apresentar aos diretores, mas quando você entra na sala com o ator é que tudo acontece. Nesse momento, você tem as expressões faciais, os movimentos, o corpo. Podemos colocar as peças de uma mesma pesquisa em dois atores diferentes e não teremos o mesmo efeito.
O grande problema é que o público não sabe como esse trabalho funciona. Só para a Cher, foram mais de 60 trocas de looks. Para a Dionne, arrisco dizer que chegaram a 50. As pessoas não percebem quantas roupas havia ali, quantos acessórios você precisa combinar. Cada look é único e pensado nos mínimos detalhes. É um trabalho enorme, e não apenas criativo. Também precisamos lidar com orçamentos e prazos, administrar a equipe do departamento, ouvir os atores. São muitas demandas até ter cada visual definido. Nosso trabalho é árduo: levantamos cedo e fazemos coisas incríveis em pouco tempo, com pouco dinheiro e, às vezes, com pessoas difíceis.
Tínhamos um orçamento de 200 mil dólares, o que é bem pouco para um filme como esse. Precisei ser engenhosa. A máquina de relações públicas não funcionava como hoje. Agora, muitas das roupas fabulosas que vemos no cinema estão a apenas um telefonema de distância, mas eu não tive esse luxo. O problema de não ter muito dinheiro é que eu não conseguia comprar todas as roupas de grife. No fim, o filme ficou melhor por causa disso. Comprei muitas coisas em brechó, e outras eu mesma costurei. Esse high-low não era tão comum na época. Tive de descobrir o que estava ao meu redor. Conseguir um vestido de Azzedine Alaïa já havia sido uma grande coisa.
Isso! A fala estava escrita, mas ainda não sabíamos qual designer iríamos conseguir. Vi o Alaïa na passarela e sabia que não tínhamos dinheiro para isso. Então tentei contato e pegamos emprestado. Avisei que a Cher iria ao chão com o vestido e garanti que tiraríamos todo o pó e sujeira antes de devolver. Eles foram muito graciosos, nos enviaram e foi assim que toda uma geração aprendeu sobre o estilista.
Nós sabíamos que seria xadrez, pois esse é um elemento atemporal do uniforme colegial. A questão era: o que a Cher faria com ele? Nós tínhamos uma opção azul. Achávamos que seria perfeita para ela, mas em cena não estourava. A personagem andava em frente à escola verde, entre muitas pessoas, e o look não se destacava. Testamos outro vermelho, pareceu sexy demais. A nossa última alternativa era o amarelo. Eu não tinha certeza sobre ele. Essa não é uma ótima cor para as loiras. Mas, quando Alicia provou, soubemos que precisava ser aquele. Todos nós falávamos: “Sim, é este! Ela é o raio de sol, é a rainha do colégio”. Foi a sensação visceral de enxergar a atriz se tornando a personagem bem na sua frente.
Essa foi uma ideia minha e da Amy. Estávamos sempre ultrapassando os limites. Nós nos perguntávamos: uma garota rica, que já tem tudo, pode ter mais o quê? Pensamos em um armário móvel. Se a Cher iria ter tantas roupas incríveis, vamos fazer com que ela consiga visualizar tudo. Os computadores estavam começando a surgir e a Amy conhecia um produtor musical que tinha algo parecido em sua casa. Era revolucionário para a época.
Exato. Fico muito triste. Houve várias exposições em que não fomos incluídos porque eles não conseguiram encontrar as peças.
Havia uma inocência geral. Observo como o filme é transcultural e, agora, é também intergeracional. Encontro com meninas que nem estavam vivas quando foi lançado e é tão bonito. É como se o filme fosse uma cápsula do tempo, em que as garotas podiam ser quem elas eram, fossem elas patricinhas, como a Cher, ou skatistas, como a Tai.
Essa é a mensagem de todos os trabalhos em que eu me envolvo. Meu objetivo é dar poder às meninas e inspirar jovens mulheres. Em todos os meus filmes, é disso que me orgulho. Para mim, é sobre garotas. É sobre como fortalecê-las para que se sintam bem consigo mesmas, com quem são e, assim, possam encontrar suas individualidades.
Com certeza. Não posso ficar triste quando penso em todo o impacto cultural do figurino de As patricinhas de Beverly Hills. Recebo mensagens constantes de meninas e mulheres dizendo coisas como “esse filme mudou a minha vida” ou “eu me tornei figurinista por sua causa”. Me sinto tão honrada. É emocionante ouvir histórias pessoais e perceber o que significou para elas. Agora, o filme está em nosso zeitgeist, é parte da moda. Iggy Azalea fez um clipe inteiro dedicado ao longa. Também adoro quando estrelas do cinema usam como fantasia de Halloween.
A inocência da época se perdeu. Era um momento pré-mídias sociais. Estávamos menos expostos às coisas. Não havia internet, Instagram e influenciadores. Eu pesquisava tudo em livros e revistas. Agora, somos quase uma espécie diferente, porque estamos tão conectados e podemos saber de tudo. Mas tentaria propor uma abordagem semelhante ao filme. Reencontrar essa inocência e retratá-la. Manter uma imagem doce. Essa imagem resistiu ao teste do tempo e acredito que criamos uma estética atemporal. Você pode assistir hoje e ainda desejar todos aqueles looks. Então, não vejo razão para mudar.