Por trás de um hit

Artistas e produtores contam os bastidores de seus sucessos recentes e mostram que a inspiração vem de onde menos se imagina.

POR MARINA SANTA CLARA

O que faz uma música se tornar pop? Como surge um hit? Será preciso um alinhamento dos planetas que combine um músico em um bom dia e um momento transcendental? Nem tanto. Muitas vezes, quem dá uma força à inspiração divina e, claro, ao talento de cada um é o dia a dia. Um meme, dancinhas do TikTok e até uma pintura na parede podem ser influência para letras de sucesso. “Fui escolher as cores para pintar minha casa, peguei a paleta de uma marca e as tintas tinham nomes legais. Baixei o pack e fiz uma lista. 'Brisa' é o nome de uma tinta, 'Talismã' de outra. Eu já devo ter feito umas sete músicas que viraram hit com nome de tinta”, conta Pablo Bispo, que, além de estar entre os autores dos sucessos que menciona de Iza, colaborou em hits de Anitta, Pabllo Vittar, Ludmilla e Gloria Groove, entre muitos outros nomes do pop nacional.

Vários hits nascem também de processos coletivos que são comuns na indústria da música, chamados de song camps, quando, a pedido de gravadoras, editoras (empresas que administram as obras dos artistas, responsáveis por, entre outras coisas, licenciar e promover esse repertório) ou mesmo sob encomenda dos próprios artistas, produtores e compositores se juntam para criar. “Normalmente há um escritor de letras e um produtor de beats ou dois e dois. Às vezes, tem um briefing, tipo ‘é para tal artista’ ou ‘tal artista está procurando uma sonoridade desse jeito’”, conta o produtor musical Rafael Tudesco, que já participou de song camps nos EUA e no Brasil. “Meu contato com isso veio de eu ter trabalhado em um estúdio em Los Angeles em 2007 e 2008. Tive oportunidade de participar de alguns que a Roc Nation (gravadora fundada por Jay-Z) estava desenvolvendo. Eles traziam diversos produtores do mundo todo para o estúdio por um, dois meses. Faziam muitas músicas. No fim, os representantes ouviam, selecionavam e colocavam pra jogo. Nessa época teve música para Rita Ora, Rihanna”, recorda.

O fato é que, venha de onde vier, nada além da recepção do público é capaz de garantir que uma canção vai estourar. “A música é matemática, são 12 notas e tal, mas é muito feeling. Quando me arrepia, quando sinto alguma coisa, geralmente não falha, mas é difícil falar se o público vai receber isso bem. Tem as tendências, e aí alguns apostam nisso, só que mesmo assim não é uma garantia de sucesso porque o Brasil é muito grande, e as pessoas têm gostos muito diferentes”, afirma o produtor Douglas Moda, que trabalha com Vitão e Luccas Carlos.

Tudesco tem opinião semelhante: “Não acredito que existam fórmulas, mas sem dúvida tem coisas, dependendo das regiões e dos lugares, que são mais confortáveis para o ouvido. Às vezes, fatores culturais. Às vezes, células rítmicas um pouco mais conhecidas. Acho que isso ajuda, mas na minha opinião é sempre uma interrogação. Hoje em dia, o momento influencia muito. A letra está citando um fato que é bem do momento, uma gíria, e as pessoas se identificam”.

Se não há respostas fáceis, o primeiro passo, diz Bispo, é ouvir o artista. “Quando a pessoa me procura falando ‘quero um hit’, eu digo ‘você está procurando a pessoa errada, eu só sei dar o melhor de mim’. Nós (ele e os sócios) somos os hitmakers que trabalham o contrário disso. A gente prefere que você seja verdadeiro com sua essência, que faça algo de que goste. Se isso for um hit, é uma consequência. A Pabllo Vittar nunca ficaria famosa com ‘Pesadão’, a Iza nunca ficaria conhecida com ‘Triste com T’ porque não seriam elas de verdade. A gente faz músicas muito específicas para cada um.” Para o produtor, o segredo de um sucesso é ser simples, o que não significa que é fácil. “O hit está muito na estrutura. Porque como é muito popular tem que ser fácil, e é difícil de fazer porque não é forçado.”

A seguir, do funk ao forró, artistas e produtores donos de canções que estão no topo das paradas contam à ELLE os bastidores do nascimento de suas canções:


Kevin o Chris

“Tipo gin (ao vivo)”

“E ela tá, tá movimentando…” Os versos de “Tipo gin (ao vivo)” já renderam a Kevin o Chris mais de 72 milhões de plays no Spotify, o 11º lugar no ranking geral do Amazon Music Brasil em setembro e muito sucesso no TikTok. O clima de balada que a letra evoca serviu para animá-lo em um momento difícil. “Deus foi minha inspiração. O início da música fala sobre graça e energia. Foi o que me tirou de um momento difícil que eu estava vivendo. Quando criei ‘Tipo gin’ estava na bad, sem nenhuma inspiração. Não queria compor sobre putaria. Queria algo que fosse profundo”, lembra. “O refrão fala ‘ela tá movimentando’, e essa frase representa uma pessoa que sempre ora por mim, que se movimenta para me manter de pé.” Único autor, intérprete e produtor da faixa, Kevin lembra que letra e beat nasceram quase simultaneamente. “Eu já tinha o beat e fui criando a letra em cima, desenvolvendo tudo junto.” Não faz falta ter companhia para compor? “É sempre positivo fazer parcerias, a música chega com mais energia na pista, mas confesso que amo criar sozinho. Fico mais livre e me doo 100% nesses trabalhos completamente autorais. O resultado é 100% minha verdade. Consigo mostrar mais de mim para o público.”

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Douglas Moda e Luísa Sonza

“Penhasco”, de Luísa Sonza

Em um ranking dominado por forró e sertanejo, Luísa Sonza, com sua “Penhasco”, é uma das poucas exceções além desses gêneros no Top 50 do Spotify Brasil e no das 25 mais tocadas no Amazon Music Brasil. “Comecei a escrever a música numa viagem ao México, então a letra é predominantemente minha e a melodia construí com a Carol Biazin e com a Day (também autoras da faixa, ao lado de André Jordão)”, lembra Luísa. Diretor musical do mais recente disco de Luísa, Doce 22, ao lado da cantora, Douglas Moda lembra que ela pediu um instrumental que soasse triste. “Levei um arranjo para a casa dela. Chegou lá, todo mundo ouviu e gostou. Eu, ela, Carol e Day começamos a trocar ideias. Estava um dia frio, meio deprê. Elas começaram a entrar fundo em vários assuntos, saí para deixá-las à vontade e isso durou umas três horas”, lembra ele. A primeira versão era apenas violão e voz. Mas Douglas achava que “Penhasco” precisava de mais. Pediu ajuda ao maestro Maycon Ananias, que transpôs o arranjo para o piano e trouxe cordas, gravadas por um quarteto na Rússia. “Fiquei com medo porque gastei uma fortuna. (risos) Só faltava a Luísa não aprovar. Ela tinha gostado muito do violão e voz. Mas ela ouviu, todo mundo se arrepiou, chorou junto, se abraçou e tal.” E eles perceberam que estavam fazendo um hit? “Acredito que qualquer música, quando tem muita sinceridade, pode se tornar algo muito grande, e ‘Penhasco’ foi muito verdadeira. Acredito que o sucesso dela se deve a essa entrega realmente artística e sincera”, avalia Luísa.

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João Gomes

“Meu pedaço de pecado”

Poderia ser um conto de fadas: um garoto de 19 anos de Serrita, interior de Pernambuco, que cantava de brincadeira com os amigos da faculdade, começou a publicar vídeos em redes sociais. A brincadeira ficou séria e João Gomes e seu forró de vaquejada conquistaram o país neste ano. A faixa “Meu pedaço de pecado” é atualmente a segunda mais tocada no Amazon Music Brasil e já acumula mais de 73 milhões de plays no Spotify depois de frequentar por vários dias o ranking mundial da plataforma. Sem arriscar um palpite do por que a canção agradou tanto, João conta que, inspirado nas pessoas que fazem vídeos com música no TikTok, escreveu a letra pensando na autoestima das mulheres. “É uma música bem simples. Fui um pouco nessa intenção, mas acredito que tem toda uma história ali. Quando chega no refrão, que fala ‘tô querendo te beijar de novo, teu beijo me enlouqueceu’, a pessoa pode mandar para alguém que quer ver de novo. Acho que é um verso bem singelo.” Enquanto pensa nos próximos passos da própria trajetória, que incluem duas novas músicas, espera o momento em que poderá fazer seu primeiro show, já que sua carreira nasceu durante a pandemia. E comemora uma conquista especial. “A melhor coisa que tem é realizar sonhos. Como eu, que sou santista desde pequeno por causa do Neymar, e agora tenho ele acompanhando meu trabalho (nas redes sociais). Cê é doido, isso é mais do que eu pedi a Deus.”

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Luan Santana

“Morena”

A faixa chegou no topo do Amazon Music Brasil, sendo a música mais tocada da plataforma nesta segunda semana de setembro, e também nos rankings do Spotify no Brasil e em Portugal, além de seu clipe ter conquistado mais de 77 milhões de views no YouTube. Mas não foi um amor à primeira vista. “Acabei mudando minha opinião (a respeito da faixa) após a repercussão. Faz dois anos que tenho ela, fiz em casa mesmo. Um vídeo vazou na internet e as pessoas ficaram pedindo por mais de um ano para eu gravar. É normal que peçam, só que com o tempo cai no esquecimento, mas com a ‘Morena’ não foi assim.” Atendendo ao pedido dos fãs, o cantor cedeu, e a música ultrapassou as fronteiras do Brasil. De olho no mercado internacional, ele agora comemora a chegada da faixa ao ranking da Billboard das 100 músicas mais tocadas em todos os territórios do planeta (fora os Estados Unidos). A inspiração? Um meme. “O tema era ‘A culpa é da morena’, foi daí que veio o refrão. Aí pegou. É a linguagem do povo. Coloquei um ritmo africano, um reggaeton, tem sanfona e é uma música sertaneja. Acredito que o refrão fácil e o ritmo bem dançante agradaram. Além, claro, do clipe, que ajudou a viralizar ainda mais.” Em maio, logo após sair ganhadora do BBB 21, Juliette chegou a ser convidada para estrelar o clipe ao lado do cantor, o que fez com que a divulgação da música ganhasse ainda mais força (no fim, ela acabou recusando a proposta por ter outros planos para a sua carreira). Para o cantor, só quem pode decretar o que vai ser hit é o público, mas ele, com vários sucessos no currículo, gosta de apostar em histórias reais. “São as que eu mais gosto de cantar, canções que contam o que as pessoas vivem.”

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Pablo Bispo

“Triste com T”, de Pabllo Vittar

Um jogo de videogame, uma novela antiga passando na TV, tudo, tudo mesmo pode virar inspiração para Pablo Bispo na hora de compor. Se dá resultado? Os seus 8 bilhões de plays podem responder. Com “Triste com T”, de Pabllo Vittar, não foi diferente: a letra nasceu de uma figurinha de WhatsApp. “Somos um time de cinco produtores, o Brabo Music, que faz as músicas da Pabllo. São pessoas que pensam completamente diferente uma da outra, e a gente entendeu o que é esse estilo sonoro dela”, diz Bispo. “Essa música a gente fez um forrozão. Eu tinha feito o refrão ‘hoje eu tô triste, triste com tesão’, aí o Gorky (Rodrigo Gorky, produtor) falou ‘arrombou as portas do meu coração’. A gente ria porque é cafona”, lembra. “E aí eu falei ‘deixa eu falar um negócio meio sensual, e a galera vai rir’. Esse ‘Hoje eu tô com tesão, vem cá, mozão’ saiu de primeira, meio Sampa Crew. A gente achou que ela nunca ia aceitar, mas ela amou. Subiu 14 tons, porque ela não tem limites, e a música ficou incrível. Mas é um processo muito fluido. A gente não sabia que ia fazer um hit. A gente só estava se divertindo”, conta o produtor. O fato de o grupo conhecer muito bem os gostos da cantora, conta, é o que faz toda a diferença. “‘Triste com T’ vem dessa caixinha em que a gente entendeu o que é a Pabllo, que tem muito humor, algumas coisas só ela vai fazer. Tem música que demorou um mês e meio pra sair, tipo ‘Disk me’, que teve 30 versões. ‘Amor de kenga’ a gente ficou uma hora e meia e já tinha desistido. Aí eu liguei a TV e estava passando no canal Viva uma propaganda dessas novelas antigas. Uma mulher chamava a outra de kenga, e veio daí. ‘K.O.’ foi inspirada em Street Fighter, que eu estava jogando no videogame”, conta. Pabllo e seus produtores provam que o sucesso vem de onde menos se imagina.

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