RAIO-X DE UM DESFILE

Louis Vuitton verão 2022

por Luigi Torre
fotos: Getty Images, Divulgação e Reprodução

RAIO-X DE UM DESFILE

Louis Vuitton verão 2022

por Luigi Torre
fotos: Getty Images, Divulgação e Reprodução
Em março do ano passado, no último dia da semana de moda de Paris, já com um surto de Covid-19 tomando conta de boa parte da Europa, Nicolas Ghesquière apresentou uma coleção que era quase uma viagem no tempo. Como cenário e trilha sonora, ele contou com um coral de 200 cantores, vestidos pela figurinista Milena Canonero, com looks típicos dos anos entre 1500 e 1950.
Louis Vuitton, inverno 2020.
Na passarela, a releitura de trajes do passado era menos literal, mas ainda presente. É que o estilista sempre gostou da ideia do passado em constante diálogo com o presente. Vem daí o mix de referências, tipo um vestido com silhueta do século 19, com ancas laterais, rendas do tipo de lingerie no decote e, por baixo, uma regata branca. Jeans justos combinados a um top assimétrico com listras pretas e brancas, ou a uma camisola com corte em viés ou então com fraque acetinado.
Louis Vuitton, verão 2022.
Os looks fazem parte da coleção de verão 2022, igualmente carregada de referências históricas, porém com ares mais sombrios, góticos e bastante decadentes – o que diz muito sobre nosso tempo e a relação da moda com tudo isso.
Geralmente, os desfiles da Louis Vuitton acontecem numa tenda armada no pátio central do Museu du Louvre. Dessa vez, porém, a apresentação aconteceu na Passage Richelieu, um longo corredor que levava aos apartamentos da imperatriz Eugénie, de quem Louis Vuitton, em si, era o fabricante exclusivo de malas.
Casada com o imperador francês Napoleão III, Eugénia de Montijo viveu no final do século 19 e viu nascer a alta-costura e os desfiles de moda. Era bem próxima do costureiro Charles Frederick Worth, considerado o pai da haute-couture, foi uma das maiores colecionadores de joias da realeza francesa e amava uma crinolina – aquelas estruturas que deixavam os vestidos com volumes armados no quadril.
A imperatriz Eugénia de Montijo.
Não fica difícil entender, então, de onde vem a silhueta dos looks que abrem o desfile – só que numa versão mais leve, dando ainda movimento às peças. A opulência – bordados, rendas, drapeados, pregas e brilhos – também encontra seu ponto de origem nos trajes da imperadora.
Nas mãos de Ghesquière, porém, tudo vem misturado e combinado com elementos contemporâneos, como alfaiataria, camisetas e outras peças esportivas e militares. 
Louis Vuitton, verão 2022.
Outra inspiração importante na coleção é o filme Irma Vep (1996), de Olivier Assayas, que será regravado em formato de série pela HBO. Na versão televisiva, é Ghequière o responsável pelo figurino da protagonista, interpretada pela atriz Alicia Vikander, uma das embaixadoras da Louis Vuitton.
A história do longa é a seguinte: uma atriz de Hong Kong é contratada para estrelar um remake do clássico Les Vampires, um filme mudo de 1915, sobre uma gangue de criminosos (e não de vampiros) em Paris. Porém a regravação fictícia tem vários impasses. Um deles é a dificuldade da personagem Maggie Cheung (interpretando ela mesma) em se adaptar à cultura local. Outro são os egos inflados no set de filmagem. E, por fim, tem ainda uma confusão do diretor sobre o que é realidade e ficção, encenado e espontâneo.
“Existem algumas imagens incríveis nessa série do início do século 20. Uma delas é um grande baile. À medida que minhas inspirações progrediam, continuei avançando em direção ao baile e à fantasmagoria que ele implica”, explica Ghesquière, em referência à obra do cinema mudo de Louis Feuillade.
Cena do filme Les Vampires.
Daí o clima de baile de máscaras, o vai e vem na linha do tempo da moda, a ideia do passado informando o presente e os vários lustres de cristais da cenografia. A sensação é de desbunde hedonista em meio ao caos e à decadência.
Algo não muito diferente se viu ao longo de toda essa temporada de desfiles, a primeira com eventos presenciais após a chegada da Covid-19. Das passarelas ao mise-en-scène, a impressão era de completo esquecimento e desconsideração pelos acontecimentos dos últimos 18 meses.
Louis Vuitton, verão 2022.
Ghesquière talvez quisesse falar sobre isso ao imprimir tamanha decadência na ostentação sombria de seu desfile. No entanto, quem traduziu a mensagem de maneira mais eficaz foram os ativistas do grupo Extinction Rebellion. Alguns deles conseguiram chegar à passarela com cartazes que diziam: “Excesso de consumo = extinção”. Os manifestantes foram rápida e um tanto violentamente retirados de cena, mas a imagem já estava lá. E o baque da realidade também.