De norte a sul do Brasil, jovens talentos despontam no rap nacional, além de Tasha & Tracie. Parte deles é recém-chegada à cena, depois de começar a carreira durante a pandemia, contando com a internet para espalhar suas mensagens.
Amor, sexo, denúncia de problemas sociais, críticas ao machismo, ao racismo e à transfobia, a exaltação da cultura regional… Há espaço para os mais variados temas nas rimas afiadas desse movimento, que também se inspira no sucesso de vertentes como o trap, o drill e o grime. Com o rap em alta nas plataformas de streaming e em grandes festivais, fazer uma seleção de nomes que representem essa diversidade é um desafio. Neste pequeno recorte de um caldeirão efervescente, confira abaixo dez nomes para ficar de olho.
POR MARINA SANTA CLARA
Anna Suav
Do slam para o rap
Foto: Estúdio Tereza e Aryanne
A vida de Anna Suav, 30 anos, entre Manaus, onde nasceu, e Belém, onde vive hoje, é o pano de fundo das suas letras, que trazem inquietações existenciais e temas como representatividade feminina, afeto e espiritualidade. A arte está presente em sua vida desde as aulas de balé na infância. Anna cursou jornalismo na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e a música entrou na sua vida como um desdobramento de sua experiência em batalhas de poesia marginal, conhecidas como slams. No fim do ano passado, lançou seu trabalho de estreia, o EP Eva grão. Com a retomada dos shows, seu desejo é um só: “Quero fazer o EP escoar dentro da Região Norte e para além dela. Quero gastá-lo e me apresentar ao vivo”. Com Bruna BG, rapper paraense, ainda prepara para este ano um novo trabalho por meio do edital Natura Musical.
Ebony
Expoente da safra de trappers
Com pouco mais de dois anos de carreira, Ebony já é uma representante de peso na safra de trappers. Em 2019, lançou seu primeiro single, “Cash cash”, um ano depois o EP Condessa e, em 2021, o álbum Visão periférica. Para este ano, a rapper, que nasceu em Queimados (município da região metropolitana do Rio de Janeiro), prepara um novo trabalho, celebrando o momento de liberdade artística. “Depois de tanto procurar um lugar onde eu possa criar o que quero sem medo, finalmente estou fazendo as melhores composições da minha vida com pessoas que admiro”, diz. “Comecei a fazer música com 19 anos, vou fazer 22 e acho que isso vai aparecer muito nas letras.”
Budah
E o fortalecimento das mulheres
A rapper de Vila Velha (ES), 25 anos, tem influências que vão do soul ao trap, passando pelo R&B e pelo samba, em letras em que fala sobretudo de amor e do cotidiano. Com apenas dois anos de carreira, Budah já ostenta parcerias com nomes como Djonga e Cynthia Luz. Após duas participações no projeto Poesia Acústica, neste ano fez parte do internacional Colors (que lança vídeos com artistas do mundo todo para seu canal no YouTube) e é presença confirmada no line-up de festivais independentes, como o paulistano Cena 2K22, em junho. Para ela, esse é um momento de fortalecimento das mulheres na cena. “Cada vez que a gente vai criando e se fortalecendo, dá força para outras mulheres entrarem. Se estou aqui, é porque vi lá atrás a Negra Li e a Kmila CDD. Hoje, ocupo esse espaço para que mais meninas tenham essa força. Sinto que isso vai crescer entre a gente. Vai chegar um momento em que ninguém poderá ignorar as mulheres porque o não falta é talento.”
EVYLiN
Abrindo espaço para rappers travestis, pretas e periféricas
A prosa foi a porta de entrada para EVYLiN, 22 anos, no universo musical. A baiana lançou vídeos cantando na internet em 2019 e, na sequência, gravou suas primeiras canções, influenciada pelo pop de nomes como Rihanna, Beyoncé e Lady Gaga. Trabalhando na produção do seu primeiro EP, ela destaca a necessidade de abrir espaço para outras rappers travestis, pretas e periféricas como ela. “Planejo continuar levando minha mensagem de resistência e humanização para as minhas. Quando vejo mulheres na cena do rap nacional ganhando notoriedade, falo ‘ufa!’. Me enche de esperança”, diz. “Falamos de uma cultura que é alvo de muita misoginia, machismo e transfobia. Ver mulheres pretas fazendo música é revolucionário, e é muito bom ser parte disso."
Cristal
Da poesia para parcerias com Djonga e Tasha & Tracie
O início da carreira da rapper se deu pelas ruas de Porto Alegre, onde mora, participando de campeonatos de slam. Em 2018, Cristal lançou um livro de poesias e, um ano depois, seu primeiro single, “Rude girl”. De lá para cá, entre o trabalho como atriz, poemas e singles, fez feats com Djonga e Tasha & Tracie. No ano passado, lançou seu primeiro EP, Quartzo. “Agora estou vivendo essa experiência de trabalhar mais minha performance nos shows. Então, a ideia é circular por várias cidades do Rio Grande do Sul e outros estados, espalhando essas músicas por aí. Muita gente ouviu as faixas na pandemia. Quero ver a reação das pessoas ao vivo”, conta. A artista também prepara para 2022 seu primeiro álbum, Epifania. “Vai ser um álbum-filme. As faixas vão ser ilustradas por uma história.
Monna Brutal
Parcerias com Tássia Reis, Gloria Groove e Urias
Nome conhecido nas batalhas de MC, Monna Brutal, 26 anos, tem entre suas influências a dança break e o forró, uma referência nem tão frequente no rap. No primeiro trabalho, 9/11, lançado em 2018, divide reflexões sobre a luta das pessoas trans. No seu mais recente, a mixtape La janta, do fim do ano passado, reúne sete faixas, em que mescla trap, drill e funk, em canções sobre empoderamento. Nessa trajetória, a rapper da Zona Norte de São Paulo acumula ainda feats com Tássia Reis, Gloria Groove e Urias. Com a retomada dos shows, seu maior desejo é subir ao palco. “Tenho vontade de ainda trabalhar bastante essa mixtape e estou com planos de fazer um trabalho novo, prestes a voltar a produzir”, conta. “Esse tem sido um momento muito especial por voltar para a pista. Tudo parecia um boicote no ano passado e agora sinto que estou conseguindo colher um pouco dos frutos que o hip-hop me deu.”
FBC
Das batalhas para os palcos
Cria das batalhas de rima de Belo Horizonte, FBC já vive há 16 anos o dia a dia do hip-hop. O MC, de 32 anos, é da mesma geração que projetou conterrâneos como Clara Lima, Coyote Beatz e Djonga, participando dos shows do último entre 2017 e 2019. O primeiro disco solo veio em 2018. No ano seguinte, FBC fez barulho com Padrim, uma aposta no trap, com participações como BK e L7nnon. O álbum foi elogiado pelas rimas e pelo bem-sucedido “marketing de guerrilha”, com o qual conseguiu com que celebridades como Maisa e Whindersson Nunes o divulgassem. No seu trabalho mais recente, Baile, de 2021, FBC e o beatmaker Vhoor foram buscar inspiração no Miami bass (uma vertente do rap) dos bailes da década de 1990.
Em 2014, quando começou a carreira artística, Kyan, 23 anos, criado na Praia Grande (litoral paulista), era Renan MC e cantava funk. Hits como “Tropa da Lacoste” e seus mais de 40 milhões de visualizações no YouTube mostram que a mudança de nome artístico e a decisão de aproximar o funk do trap, do grime e do drill agradou. Para este ano, prepara um documentário sobre a própria vivência no rap e na moda, além do EP Dias antes de Mandrake, em que vai rimar sobre o início da própria trajetória. “Estou em um momento mais reflexivo e paciente da minha carreira, pensando nos meus passos, em quem quero ser daqui a cinco anos. Posso escolher entre múltiplos caminhos. Essa é uma das melhores épocas que já vi do rap, como ouvinte e como artista.”
Kaê Guajajara
E a Música Popular Indígena
Da etnia Guajajara, Kaê, 28 anos, nasceu em Mirinzal (MA) e ainda criança se mudou para o complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro. Com três EPs e um álbum lançados, ela vai da ancestralidade ao futurismo indígena, trazendo em suas letras protestos contra o silenciamento dos povos originários e as próprias vivências nas favelas, em um gênero que chama de Música Popular Indígena. Kaê se prepara para sair em turnê com o show do seu trabalho mais recente, Kwarahy tazyr, e amplificar o alcance da própria mensagem. “Estamos nas favelas, nas cidades. Aqui é o nosso território, apesar de ele ter sido roubado. Na cena do rap e do trap, faz sucesso quem tiver falando do ouro”, diz sobre as letras, que muitas vezes tratam de riqueza. “E pra gente não tem mais como passar esse pano, pois é justamente o que está gerando violência nas terras indígenas. Mesmo as que já estão demarcadas sofrem com o garimpo e as violências que vêm depois disso.”
Fenda
E a força da união de mulheres
Laura Sette, Mayí, Iza Sabino, Paige e DJ Kingdom já eram conhecidas na cena rap de Belo Horizonte, cada uma ao seu estilo. Decidiram juntar forças no Fenda e, como grupo, apostam na mistura do rap com trap, pop e dancehall. As garotas se preparam para lançar este ano seu primeiro EP, Púrpura, com produção de Coyote Beatz, parceiro frequente de Djonga, outro expoente do rap mineiro. “Gravamos durante a pandemia e estamos confiantes em colocá-lo na pista. O EP traz bastante a nossa essência e originalidade. Utilizamos as bases do hip-hop, mas também de outras vertentes”, antecipa a DJ Kingdom. “Tem uma carga emocional muito grande. Com esse trabalho, queremos conversar com outras mulheres como nós.”