ALMANAQUE JEANS

Um dos tecidos mais antigos do mundo, o jeans, seja nas ruas, seja na capa da ELLE View, se mantém para sempre à frente da curva.

POR LELÊ SANTHANA

Acessível em sua essência, o denim costumava ser a antítese do luxo. Se você o tivesse sugerido a uma senhora europeia do século 19, ela teria recusado. Em uma longa história, porém, o tecido se tornou amado por todas as idades, nacionalidades e classes sociais. O entendimento do luxo não se alterou por inteiro. Hoje, ele ainda é sobre exclusividade e escassez (ainda que menor), mas é também sobre movimento. O luxo deixou de ser somente um substantivo para ser também um verbo de ação. E o jeans foi o prenúncio dessa mudança.

1790:

quando tudo era mato ou, melhor, mina
“Me arrependo de não ter criado o jeans. Ele tem expressão, modéstia e sex appeal – tudo o que imagino para as minhas roupas”, confessou Yves Saint Laurent à New York Magazine em 1983. A sua origem, porém, desponta de séculos muito anteriores ao estilista. Os indícios apontam que tenha surgido pela primeira vez por volta do século 16 na cidade de Gênova, na Itália, mas foi através do capital de Nîmes, na França, que a sua produção foi ampliada. O termo denim, aliás, foi uma abreviação de “tecido (de Nîm)es”, como era chamado na época. Usado principalmente por mineradores, o material era utilitário e resistente, de desenho e construção simples, barato e rápido de ser feito.
1870:

o quociente precursor
A origem francesa pode surpreender a alguns, visto que o berço do jeans costuma ser relacionado aos Estados Unidos. A associação popular, porém, não é à toa. Foi na Califórnia que o industrial Levi Strauss e o alfaiate Jacob Davis obtiveram a patente, em 1873, duas décadas após a fundação da Levi’s. Embora os trabalhadores da França já usassem o brim como uniforme, a dupla teve a ideia de aplicar a base de botão e zíper e os rebites de metal nos bolsos. O item patenteado logo evoluiria para o primeiro modelo 501 do mundo, um sucesso global que perdura até a atualidade.
1950:

lições de Hollywood
Na equação para a sua escalada, houve um catalisador definitivo. Quando Marlon Brando e James Dean surgiram em filmes de Hollywood, nos anos 1950, como bad boys, vestindo silhuetas ultrajustas, o jeans instantaneamente assumiu um novo significado. Ao rejeitar os códigos de vestimenta tradicionais, o material adquiriu uma veia rebelde, transformando-se em um símbolo de rebelião entre a juventude que criava uma subcultura antissistema. A indignação conservadora levou à proibição do jeans em salas de aula, o que, claro, só o tornou ainda mais desejável.
1970:

“Me and my Calvins”
Embora os estilistas tenham resistido ao brim por algum tempo, Calvin Klein não pôde evitar. Em 1976, o material surgiu na passarela pela primeira vez, graças a ele. À medida que construía um dos impérios mais influentes dos Estados Unidos, o nova-iorquino anunciava ao mundo como o tecido poderia ser audacioso, posicionando a cultura denim no mercado global com um apelo quente. “Você sabe o que há entre mim e a minha calça? Nada”, declarou a modelo Brooke Shields, em 1980, em uma das campanhas publicitárias mais memoráveis de toda a história da moda. Foi só no verão de 1999, porém, que o jeans chegou até a temporada de alta-costura, uma cortesia de Jean Paul Gaultier.
1980:

Fiorucci made in Brazil
Enquanto isso, na Itália, a Fiorucci, fundada em 1967, concentrava os seus esforços na elasticidade do tecido, conquistando rapidamente todo o mundo – Brasil incluso. Em setembro de 1979, a etiqueta aterrissou por aqui sob a responsabilidade de Glória Kalil. Para a chegada, foi montado um grande desfile dentro de um circo, onde hoje é o Parque do Povo, na capital paulista. Na época, em meio à proibição das importações, a empresária e consultora de moda possuía a concessão do uso da marca, trazendo as peças-piloto de Milão para serem produzidas em solo brasileiro.
1990:

da periferia para o mundo
“Calça da Gang, toda mulher quer/ 200 reais para deixar a bunda em pé”, entoava o Furacão 2000 em um de seus hits dos anos 1990. Dos bailes funk no Rio de Janeiro aos closets de Gisele Bündchen, o brim da marca carioca Gang se tornou um sucesso Brasil afora. As calças, que misturavam o jeans stretch com moletom de láicra, prometiam modelar o bumbum em silhuetas ultrajustas e cinturas baixíssimas. Duas décadas depois, graças à novela Vai na fé, as peças originais da época conquistam os holofotes outra vez no corpo de Jê Soares, que interpreta Sol (Sheron Menezzes) na juventude.
2000:

denim date
Quando Justin Timberlake foi questionado, em entrevista ao The Project, em 2016, sobre os aprendizados ao longo de sua carreira, ele afirmou entre risadas: “Se você usar jeans sobre jeans, isso será documentado”. A resposta faz referência aos visuais usados pelo cantor e por sua então namorada, a também estrela pop Britney Spears, no American Music Awards, em 2001. O sonho azul da cabeça aos pés foi memorável a ponto de ter se tornado um item caro em leilões, uma fantasia popular para casais no Halloween e a inspiração por trás das releituras de outros artistas, como Katy Perry. 
2010:

contenção de danos
O fascínio inabalável, porém, tem um custo ambiental oculto. A explicação é simples: como a maior parte de seu algodão é cultivada com fertilizantes nocivos, o processo de tratamento do jeans requer grandes quantidades de água. A partir dos anos 2010, em uma tentativa de rastrear soluções, algumas marcas com credenciais ecológicas conquistaram a atenção. É o caso da Agolde, uma favorita do guarda-roupa de Rihanna, que usa algodão regenerativo, e da Reformation, que explora materiais de sucata, reduzindo o uso da água em até 89%.
2020:

escandalizando
Agora, o jeans pode ser levado longe, a ponto de ser usurpado. No inverno 2023 de alta-costura, a Balenciaga reproduziu a sua aparência em uma pintura a óleo, algo semelhante ao que a Bottega Veneta já havia proposto no couro. No verão 2024 masculino, a Loewe e a Vetements fizeram com que o tecido literalmente brilhasse. Enquanto isso, no resort 2024, a Chanel o tingiu de cor-de-rosa, a Dior o elevou ao grau de sua silhueta pragmática e a Moschino subverteu os seus bolsos ao máximo. Temporada após temporada, o manual de boas maneiras do denim é radicalmente rasgado – e a sua história prova que ele nunca foi estranho à rebeldia.

Data Denim

A calça jeans é a peça mais democrática do guarda-roupa para 87% dos brasileiros, segundo pesquisa realizada pela Vicunha Têxtil, em parceria com a Iemi, em 2021.

A indústria global de jeans foi avaliada em 70,71 bilhões de dólares, segundo o Grand View Research. O número é superior ao das indústrias de outras paixões mundiais, como bolsas, perfumes e chocolates.

Em 2020, a Levi’s foi considerada a marca de denim mais valiosa do mundo, valendo aproximadamente 5,6 bilhões de dólares. Em seguida, estavam a Diesel (1,6 bilhão) e a Calvin Klein (1,5 bilhão).

Mais de 6 bilhões de peças de brim são produzidas no mundo todos os anos, de acordo com um relatório divulgado pela Denim Dudes, em 2020. A produção é maior que a de seda e lã.

A América do Norte é o maior comprador global de jeans, seguida pela Europa Ocidental, de acordo com dados divulgados em conferência da Fibre2Fashion.

O melhor jeans do mundo é o japonês, conforme o New York Times. O título é creditado à fabricação artesanal desenvolvida pelo país.

Os modelos de calças jeans mais populares em 2022 foram o cargo, o wide-leg e o de cintura baixa, conforme a plataforma Lyst